Ora Abelha Ora Abelha

Que posso eu, sem respirar mas respirando, dizer ao lado de alguém tão bem faz? Uma, duas, mil palavras minhas não alcançam o eco daquelas que diz ela em meu ouvido e se repentem em meu coração como a mágica trombeta de um anjo, tornando-me injustíssimo ser que recebe sem dar, que sorri sem sorri-la, que vive sem vivê-la. Uma linha, duas estrofes, mil poemas não me bastam a ela; palavras minhas não me bastam a ela. Não porque palavras têm pouco valor, não, pois vindas da boca certa, da boca daquela a quem escrevo, são as palavras a relíquia e o relicário dos tesouros da existência. O problema é que eu não tenho a boca certa, não tenho os lábios de mel, não tenho a língua macia, e tudo o que digo é pouco e manco; poquíssimo e manquíssimo. Injusta missão, injusta guerra... Que quer de mim, ó coração ó destino, se minhas palavras não me bastam a ela e se minhas palavras são tudo o que tenho para dar? Palavras dela, cada palavra dela que me destina, é como uma branca pomba em tempos de discórdia, como uma branca bandeira em tempos de tensão, enquanto as que eu digo são desafinados toques no violino e o bater num desajeitado bombo que, tão desajeitoso ele e tão desajeitoso eu, teve sua pele rasgada antes de meus primeiros trincados três vocábulos. Então choro, choro, choro. Choro de minha própria vida e do medo que dá ter tal vida diante dela, choro porque ela é ela, choro porque eu sou eu, choro porque tenho medo dela e tenho medo dela por eu ser eu, choro porque não tenho como não chorar. E por que não tenho como não chorar? Por causa de tudo isso, tão somente tudo isso, as rachaduras em minha pele e as desafinações em minha voz, os negros cachos em suas cabeleiras e o protetor calor em seu tocar. Ó ela ó ela, sei o que me dirá na primeira oportunidade: tudo o que digo mentira é, e me basto por ser quem sou para tê-la e tão bem fazê-la. Ora ela ora ela, não sabe ela que é seu bom coração agravante em minha dor de paixão, que sua humildade é assassina, que sua gentileza é algoz? Ora ela ora ela, não sabe ela, justamente por ela ser tão boa, que justamente por ela ser tão boa têm suas palavras arrebatadores efeitos e têm as minhas inefeitos desprezíveis? Portanto choro porquanto choro! No entanto, choro não somente porquanto choro, mas também porquanto ela não chora de raiva, porque ela não explode, porque ela não acende a fúria em seu olhar que mereço em todos os dias e não recebo em nenhum. Ó ela ó ela, por que ela não vem e me diz que basta já, que tudo já foi demais, que toda paciência tem limite e todo limite não tem paciência? Mas não, nunca fez e afirma, de pés juntos, que nunca fará; como fosse um anjo sem escrúpulos que faz a impensada bondade sem medir os danos que terá de sofrer por isso. Minhas palavras não me bastam a ela porque ela é boa demais, e suas palavras arrebatam a mim por igual motivo. Que sou eu, então, sem ser nem uma sombra na luz que irradia a sua pele meramente por ser sua pele? Que sou eu, então, se diante dela não sou nada e distante dela não sou nem isso? Quem sou eu, ó coração ó destino, se tudo o que me satisfaz é o seu bem estar e minhas palavras nunca me bastam a ela? Sou pobre alma ou nem isso? Sou corpo sem alma ou nem isso? Sou fantasma sem vida ou nem isso? Penso, logo existo, já dizia o matemático; mas diante dela nem penso nem existo. Quem é escreve isto nem sequer sou eu; quem escreve isto é ela. Como uma feiticeira meticulosa que deu os olhares corretos para me provocarem cada uma das palavras que expiro nos minutos em que eu as expiro... Ora eu ora eu, que posso eu sem respirar mas respirando? Estrale os dedos ela, e caio eu sem mais respirar; pare de respirar ela, e caio eu sem mais cair, porque caio sem mais ser. Je pense, donc je suis, já dizia o francês, mas que pode dizer o francês na língua do amor se naquela época naquele país não existia aquela a quem endereço estas linhas? Ora França ora França, não alcançará a nação o ápice do amor se não deu à luz a única a quem o amor é verdadeiramente merecido! Ora ela ora ela, lê ela estas linhas algum dia? Ora eu ora eu, mereço eu o privilégio de endereçá-las a ela, mesmo que ela nunca as leia? Ora nós ora nós, nunca nós deveria existir, mas sem nós não existo eu e no entanto aqui estou escrevendo com a pena na mão. Ora nós ora nós, nunca me bastarão as minhas palavras a ela, mas sempre existirão, pois ela tem um coração mariano e eu tenho o valor de um celeiro. Uma linha, duas estrofes, mil poemas não me bastam, mas sem número de tudo terá ela até o fim desta existência, pois sem número é o valor do que sinto e sem número é o valor que ela tem. Sem merecer, então, eis que é tempo de chorar por ela; e sem dever eis que sei que ela não reclamará. Ora choro ora choro, sabe ele que é a desafinada música de meus passos, porém a música de que preciso para andar? Ora Abelha ora Abelha, fui agraciado com seu mel, quero agraciá-la com minha flor.

16/6/2017

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 16/06/2017
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