Fantasmas do Tempo

Sou tímido, a ponto de me negar, diante de um universo que não foi feito pra mim. Procuro nas estrelas bordas invisíveis para me achar. Encontro pequenos pedaços de ouro, espargidos junto às estrelas.

Agora, não sei se foram feitos para mim ou são uma pequena amostra de que poderiam ser. Não ouso tocar em coisas mutantes, visíveis ou não, sei que são meus pequenos achados.

Um dia me fizeram acreditar que era apenas uma criança. Concordei com os avós e os pais. Quanto tudo cresceu e se transformou, vejo os que se foram e deixaram marcas que agora me ferem profundamente.

Sou fruto de um passado e mal sei enfrentar o presente. Sei que um vazio mediano me toma quando toco em coisas antigas ou elas me invadem e me colocam num redemoinho de solidão e saudades.

Não sei bem de certezas ou se elas lá existem. Não sei de verdades; de mentiras pouco conheço; se sou parte de alguma coisa, desconheço. Só ronda em mim o fantasma da procura.

E se procuro acho névoas e ramos espargidos sob a névoa augusta e precoce. Minha procura é ociosa, digna de um homem cujo único princípio é ter um fim.

Me escondo em ruas escuras onde os passageiros passam a procura de algo. Não sei se acham. Mas a procura é duvidosa e cheia de ânsias. Parte de mim está neles, parte do que sou eles também são. Somos iguais: o nada e o vazio.

Que me levem daqui, que não me façam remoer um passado sem fim, agreste, rústico, que leva a um futuro sem direção. Não há mais nada a fazer.

Perdi o que tinha, rezei sem saber, acompanhei os que me amavam. De súbito, um rompão no tempo e debrua a magia que nos suportava.

Todos eles se foram para uma guerra sem volta e, se um dia me chamarem vou negar a mim mesmo. Só ergo a bandeira da esperança uma vez. E esse tempo já passou. E me dizem: você será apenas resto da multidão.

Me banho ao sol, me prumo aos pingentes de estrelas. Há pós e procuras, mas a mim não cabe decidir: o que está escrito, está escrito. Que os escrivães se comportem. Não tenho nome, nem sobrenome. Tenho um número que me identificam como cidadão de pátria nenhuma, cuja bandeira já foi mascada pela guerra.

No meu interior só quero agora a paz que nunca tive e a presença de qualquer fantasma que finja ser gente de pouca conversa e que toque piano.

José Kappel
Enviado por José Kappel em 03/07/2017
Reeditado em 27/07/2017
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