Segundo Domingo

Domingo quero caminhar pelas margens do Tejo ancestral e mudo. Beberei o vinho do diabo na Taberna de Auerbach. Vou amar dentro de um fiacre pelas ruas de Rouen e, à tarde, chegar como náufrago à terra dos Feácios para pedir abrigo. Vou ajoelhar-me diante da dor humana e ela não será mais que uma prostituta com olhos doces.

Domingo quero matar alguém. Vou para a África! Mandarei toda a poesia às favas. Quero comer bolinhos com chá e esquecer o que está perdido. À noite, estourarei os miolos por alguma mulher, não sem antes ser enforcado sob gritos de ódio.

Domingo eu matarei meu pai; hesitarei na hora da vingança e construirei elevados monólogos para explicar minha covardia. Verei bruxas, serei rei. Acharei em meu filho o rosto do meu melhor amigo. “Prostituta!”, gritarei para minha mulher. Verão-me como um inseto. Não desmentirei. Cristos de todo o mundo virão ter comigo e porão a meus pés as chaves do céu. Voarei, cairei. Darei um nome àquela criança que me observa com olhos húmidos: porca. Sou eu menino.

Domingo, a Filosofia virá me consolar. Haverá dialógo e eu direi que não quero morrer. Virá então a morte para uma partida estúpida de xadrez. Esgotarei todos os clichês possíveis no domingo hipotético que nunca virá. Nunca virá porque os domingos nunca vêm. Porque o domingo é só uma abstração. Não há domingo para os miseráveis deste mundo, nem do outro. No fim será um sonho e todo resto fluirá na seguinte ordem: acordo; percebo que foi um sonho; levanto-me da cama; tomo o café doce que minha mãe preparara antes de morrer.

Só então, num domingo sem metafísica, descansarei.