Somos Profundos

Um dia riram de mim, me acusando de ser muito profundo. Não entendi direito aquilo. Será que ser profundo é tão ruim assim?

Ou melhor: será que ser profundo, num mundo de pessoas superficiais, é tão ridículo assim?

O problema de ser uma pessoa profunda é que tudo em nossa vida passa a ser elevado ao cubo. Quando amamos, por exemplo, amamos de mais. Mas quando a linha se rompe e esse amor vira ódio... viramos quase assassinos, psicopatas, serial-killers. Matamos a pessoa odiada em nossas mentes de todas e das piores e mais sangrentas formas possíveis. Nos pegamos brigando com nós mesmos, fingindo que o desgraçado - que sabe-se lá Deus o porquê de termos amado -, está ali escutando.

Então comecei a me questionar: E se eu fosse alguém comum, alienado, superficial... eu sofreria menos? Será que seria melhor se eu fosse mais um padrão, que escuta as mesmas músicas, vê as mesmas coisas na TV, sai para os mesmos lugares, bebe as mesmas bebidas e fala sobre os mesmos assuntos? Se eu fosse assim, será que eu dormiria nas noites que costumo passar em claro escrevendo, ouvindo Pink Floyd ou, simplesmente, pensando?

Há uns dois anos mais ou menos conversei com uma poetisa sobre isso. Ela - muito mais velha e experiente que eu, reles amador - se indagava com as mesmas perguntas. Afirmava que, em determinados momentos, "preferia ser alienada, porque assim sofreria menos ao ver os problemas do mundo". E eu, com toda a sapiência de um velho sábio de vinte e dois anos, rebati: "mas é claro que não, prefiro ser um crítico sofredor, do que um alienado feliz!". Não sei ao certo se foram essas as palavras, mas é por aí.

Então, lembrando disso, pensei que são não fosse as profundezas das lagoas do meu cérebro e das cavernas do meu coração, provavelmente eu teria outra profissão. Como ser professor, ator, músico e escritor sendo engessado num molde? Como dar cor e tempero à vida não tendo essência? Como inspirar, criar, movimentar o mundo sem ser profundo? Quanto mais profundos os nossos oceanos maiores são as braçadas da natação da vida. Não há como nadar numa poça d'água.

Arte é quando o coração pede licença ao cérebro para falar. Para isso, é preciso ser profundo. Nós artistas somos profundos. Entretanto, tudo tem um preço. Para compensar a beleza das nossas profundezas, também existe o risco do afogamento. De morrer engasgado com um turbilhão de sentimentos não ditos e multiplicados por eles mesmos três vezes pela nossa própria essência.

Sejamos profundos. A pesar dos pesares, dores, angústias, amores invisíveis e assassinatos imaginários, são esses sofrimentos demasiados que nos fazem produzir, andar e movimentar as coisas. Somos movidos por inquietações. Somos criadores de beleza em meio ao caos. Somos pontos fora da curva. Somos culpados pelo nosso próprio sofrimento exagerado. Somos, por fim, todos profundos.

Luan Tófano
Enviado por Luan Tófano em 21/05/2018
Reeditado em 23/05/2018
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