Potência indômita

De repente, tudo escoa, e a brisa que agitava as árvores se torna tempestade. Quão estranha e imprevisível pode ser a vida, numa hora mansa, noutra arredia. Eis um dos mistérios da natureza, entidade metafísica que o humano abomina – justamente por ser algo para além do seu controle – da qual, então, se desvencilha através de palavras, conceitos e definições; ou seja, valendo-se de suas criações. O problema é que o próprio humano é uma criação da natureza, muito embora nela não se reconheça, fazendo com que suas palavras, conceitos e definições, nada mais sejam do que abstrações as quais, em última instância, compõem e representem a mãe negada.

Eu, como humano, não sou diferente. E, às vezes, desespero-me diante do determinismo da vida, que parece ser regida muito mais pelas forças da natureza e muito menos pelas forças da vontade, relegando, pois, a escolha à necessidade. Neste sentido, inclusive, a liberdade soa quase como uma ilusão, um oásis em meio ao deserto, já que pressupõe ao menos uma bifurcação. Contudo, ocasionalmente, ela não aparece e tudo que há se resume a isto: um só sentido, uma só direção.

Filosofia à parte, ainda estou embasbacado com a oscilação do meu humor nos últimos dias. Passei o feriado, senão ótimo, bem, sentindo-me preparado para o enfrentamento das vicissitudes que o resto da semana colocaria defronte mim. Aliás, colocou – a conjugação do verbo no futuro do pretérito assume um outro critério aqui: não foram as vicissitudes que deixaram de existir, mas a minha preparação que veio a ruir. Não imaginava que, depois de quatro bons dias, viveria a agonia de ver o marasmo, desânimo e confusão tomarem de assalto a rotina, paralisada por completo, minando quaisquer expectativas de ocupação. A desgraça voltou.

Passei horas especulando as causas desta abrupta mudança do meu humor e, sendo honesto, eu não faço a menor ideia. O que torna a situação ainda pior, pois o sofrimento mais agudo é aquele sem sentido. Tentei explica-la a partir de mentalizações próximas, como temores havidos, traumas revividos, arrependimentos contínuos, sensação de ser excluído, mas nada disso se mostrou suficiente para acalentar o eu destruído. Em suma, nenhuma das hipóteses me deixou convencido, pois pungente transformação no meu estado somente poderia ser resultado de doloroso motivo. E ele simplesmente não apareceu. Nada que tenha ocorrido nos últimos dias parece validar a fraqueza que me acometeu.

A não ser que tenha havido um erro de cálculo. Grosseiro, devo dizer. Isso porque olhei o tempo inteiro para o meu passado buscando encontrar as respostas, ansioso para me deparar com uma lembrança inédita que, como num passe de mágica, revelasse todos os porquês desta indisposta situação. Deste modo, acreditei piamente que sou fruto da minha memória, martirizando-me e me culpando ao achar que, se as coisas tivessem sido diferentes, nada disso teria acontecido. Pois bem, talvez eu esteja redondamente enganado, e todo este esforço tenha sido mal empregado.

Contextualizando: o feriado foi, literalmente, uma fervura. Altas temperaturas foram registradas, ao passo que o sol raiou exuberante em toda sua extensão, dando luminosidade a uma paisagem celestial. Coincidentemente – ou não – o fim do feriado representou o fim do calor, suplantado por um rigoroso frio, que obrigou a troca imediata das roupas. E por que não das emoções? Fato é que a mudança foi brusca, e os termômetros despencaram. Tal qual o meu humor. Logo, seria absurdo pensar que, no fundo, todo este desfiladeiro anímico foi, nada mais, nada menos, que o efeito da transição climática? Não sei. Mas peço licença poética para afirmar que fez frio lá fora e cá dentro, pois tão gélido tempo, congelou meu sentimento.