Aconselho-te a não vir.

Não me reconhecerás.

Não agora que meus pelos caíram,

não agora que minhas dobras infantis

viraram profundas rugas

e meus olhos secaram...

Se ainda quiser ver o pouco,

o tanto que ainda resta do meu corpo,

visite-me mesmo ás pressas

porque só assim, às pressas,

poderá entrar e sair

sem se perder, sem ser preso,

sem morrer em um assalto

ou numa blitz,

sem se contaminar,

sem ficar raso

tentado a dizer

que sou o futuro.

Nada mais poderás ver.

Não há racismo,

Não há machismo,

Não há homofobia...

Todos foram curados.

Até os solitários

encontraram companhias.

Aconselho-te a sorrir,

mas não gargalhar.

Aconselho-te a andar

e identificar-se se conseguir.

Aconselho-te se estiver

por perto a sair

e calmamente se proteger.

Não estou mais aqui,

se é que isso é possível.

Não sou o absurdo de Dali,

agora sou o surreal que mastiga

toda forma de esperança.

O impossível é sorrir

enquanto te curram os sonhos.

Isso eu sou capaz de te dar.

Aconselho-te se quiseres me ouvir.

Não venha, não me visite!

Já não tenho pelos, agora apenas dedos.

Garras a se prolongar levando medo.

Levando ódio entre os gritos...

Eu te prometo contaminar.

Eu te prometo a tortura lógica

que te fará ávido por me amar.

Ou deixar-me, se não for capaz.