A bala não chegou

Não sei o que me espera na próxima esquina. A bala que arma em mim disparou, não sei, o muro protetor barrou. A noite sem lua, escura como o fosso da caverna, caiu, e eu dormi aquecido sem coberta. O frio não penetrou minha pele. E veio o badalar do meio dia, sem prato de comida, a fome não me tocou, porém, é mentira que a fome não me tocou. Falo isso, para distrair, contrariar a fome. Quem sabe, assim, ela me esquece. Perambulei por avenidas e ruas desconhecidas. Me vi só. Algo ou alguém ao meu lado caminhava, tão calado e sorumbático, que a fome, que certamente me visitaria, quedou-se no instante mesmo que nossos passos se cruzaram. Assim, tem sido minha vida. Minha existência. Minha existência não depende só de mim. Sou um, num infinito de seres que somados a mim, me fazem humano. Sou humano na máxima totalidade do que nem sei o isso significa. Sou, só disso tenho certeza, eu que não tenho certeza de nada. Enquanto alguém dorme sobre macia cama e lençóis de linho, outros muitos, tem o viaduto como teto e o chão como leito. O alvo e seta, disse o profeta, habitam-se em dependência mútua. Existo, só tenho essa certeza.