Quarto-relíquia

Rubens, quem te escreve é uma mão defunta que pertence a um corpo-memória exposto numa casa-museu.

O nosso lar se tornou tão frio sem você. Tudo aqui está em trapos. O sentimento de velório impregnou o ambiente.

Desde que você se foi, não entro mais no nosso quarto. Ele ainda preserva nossa bagunça. Ele ainda ecoa nossas risadas. Os nossos corpos continuam se entrelaçando ardentemente em nossa cama. O lençol manchado denuncia nossas inúmeras e inesquecíveis noites de sexo. O cobertor mantém embrulhado os nossos segredos e medos homossexuais.

Os estilhaços de nossas dores ainda estão presentes no tapete. Juntam-se a eles os pedaços de espelho, que não mais reflete a nossa imagem de casal. Silêncios e lágrimas permanecem impregnados na cortina. Aquele seu pijama preto surrado está impecável no cabide. Talvez o esquecimento dessa peça tão íntima oculte o desejo de se manter por perto ou, pelo menos, a intenção de eu te sentir tão próximo. Eis um inusitado prêmio de consolação pra quem ainda é seu maior fã.

Ai Rubens, você não tem ideia de como o passado é pesado e intenso e eterno. O presente, por sua vez, não está embrulhado com papel vermelho e lacinhos dourados, apesar de hoje ser natal... Pelo contrário, ele é uma ferida aberta, tão aberta que devasta uma grande porção de mim.

Ah... E o futuro? Ele é a pura desesperança e o verdadeiro desassossego. Ele é a família que nunca formaremos... Ele é os 4 filhos que nunca teremos... Ele é a Catarina e o João engatinhando na sala. Ele é a Beatriz fazendo estrepolias no quintal. Ele é a Lara, com o diploma do Ensino Fundamental, sorrindo no porta-retratos que enfeita aquela escrivaninha marrom.

O futuro é você (re)lendo este texto... Ele é, enfim, o seu dilacerante silêncio e a sua previsível indiferença...