A Colcheia

Sonhei com você.

Shit.

Sonhei a noite inteira com você.

Oh, my whole fuckin’ shit.

E estou aqui, num endless random repeat forever entre Ford, Mayer e Clapton com a seguinte frase martelando meu cérebro majoritariamente de atividades definidas pelo lado direito, porém, tomado pela razão idiota do esquerdo: “o nunca cai como uma luva para nós”.

E essa maldita frase infelizmente perfeita para nós é minha. Sim, minha. Escrita pra você. Merda.

E é isso: “o nunca cai como uma luva para nós”. Ponto. Fim.

Por que, malditos raios, então, esse meu cérebro racional sinistro canhoto não faz o favor de dominar, nas horas que mais preciso, o maravilhoso mundo de possibilidades bonitas, artísticas, sonhadoras e impossíveis do direito?

Esse lado que só me deixou tatuar uma colcheia no pulso pra eternizar a música em mim. Só isso e nada mais. Ou quase nada. A música que me liga e desliga foi eternizada na colcheia simplesmente porque a música te define pra mim, pois se eu tivesse que te dizer em uma palavra, seria essa. Apenas essa. Esse lado direito que de certo tem até o nome, mas que sem explicação sempre acho que é o errado e que deixo pra depois. Esse lado, que mesmo negligenciado, é tão forte de tantas formas em mim. Sinto por ele uma dor profunda bem no meio do peito. Uma dor de esquecimento, desdém e descuido, quase um desrespeito. E o preço? É esse: amargar a inspiração bonita e solitária de textos escritos ano a ano tão vazios, tão cheios, tão tristes, tão nostálgicos, tão iguais. Textos escritos ao som das músicas que eu achei um dia que escutaria em manhãs de domingos ou quartas, porque na vida que o lado direito do meu cérebro desenhou pra nós não haveriam dias de semana, não haveriam lugares fixos para se estar, não haveria o que não pudesse ser feito. Não haveria espaço no seu braço e nem no seu peito pra outra coisa que não fosse música e eu. Não haveriam preocupações no meu cérebro torto porque ele seria direito, como não? E esse cérebro tão livre de amarras e regras não só me deixaria tatuar a colcheia, como também me faria escrever várias letras cheias de rimas bestas para músicas de solos lentos, que seriam sim tocadas também nas manhãs de quintas e sextas, antes do café da manhã porque você sempre acordaria primeiro e eu dormiria noites inteiras, acordaria de bom humor e tomaria sucos de laranja com o cabelo desgrenhado numa bagunça perfeita.

Confesso que o texto não flui como antes. Escuto mais músicas do que escrevo. Percebe que as frases estão longas? Elas não são do meu lado direito. O esquerdo me domina. E dói. Dói meu pescoço e minha cabeça. Pesam sobre meus ombros com cargas de uma vida racional demais. O peso de muitas palavras não ditas, muitos pensamentos guardados, muitas suposições e nenhuma certeza. O peso da segurança da vida perfeita completamente imperfeita. E eu que sonhava com o contrário.

Assim que acordei, revivi o sonho inteiro e te enviei uma mensagem. Criptografada, disfarçada, secreta, atrasada e falsa. Porque o que eu queria mesmo transmitir não era uma mísera curtida. Nunca foi. Eu sempre quis ser bold, bold como você. Bold a ponto de ter coragem de tatuar não só uma colcheia, mas o nome inteiro da música do Jimi gravada pelo John em alguma parte do corpo. Mas eu nunca tive e, pra completar, ainda tive o acesso de insanidade mental suficiente para apagar a colcheia. Sim, eu tentei apagar a colcheia. Idiota que fui porque ela continua me marcando. E sempre marcará. Porque não há nada nessa vida que apague algumas marcas. Por mais que elas tentem seguir fracas e disfarçadas na pele, continuam gravadas e registradas em outros lugares do corpo. Pra sempre.

PS. E nunca serão apagadas. Nunca. Porque sim, o nunca sempre cairá como uma luva para nós.