Família

Quando nasci, eu nasci incapaz. Incapaz de caminhar, incapaz de falar, incapaz de compreender o mundo a minha volta. É nesse momento que meus pais assumiram um papel: o de me criar. Foram eles que me mantiveram vivo nesse estágio inicial da minha vida, estágio em que eu não podia cuidar de mim mesmo. Meus dentes foram crescendo, minhas pernas foram aprendendo a andar e minha fala foi ficando mais clara. Eu já não era mais totalmente incapaz. Fisicamente eu já não dependia mais deles, e eles estavam cientes disso, pois foram eles que me ensinaram a ser mais capaz.

Enquanto criança, apesar de não depender mais do colo deles, eu ainda precisava ser cuidado, pois eu não entendia o mundo dos adultos, eu estava na minha bolha infantil - onde toda criança deveria estar. A noção que eu tinha sobre economia era achar que com dez reais eu podia comprar qualquer coisa, e se algo fosse mais caro era só pedir como presente. Os limites do meu mundo eram bem delimitados, eu era muito protegido das coisas horríveis que aconteciam no mundo. Isso me tornou uma criança muito emotiva, pois quando ouvia sobre alguma tragédia, sentia como se meu mundo infantil estivesse rachando. O mundo do Feliz Para Sempre. E ele realmente se rachava, cada um desses momentos era a realidade nua e crua tentando quebrar a bolha que me protegia. E a cada rachadura, a realidade ia entrando aos poucos. As rachaduras se tornaram buracos. Até que a bolha foi despedaçada e eu já não estava mais ignorante quanto ao mundo a minha volta. Eu já era capaz de entender que havia muita coisa errada no mundo, e isso não me desmotiva a ser uma pessoa boa. Eu não fui corrompido.

Depois de crescido, eu ainda mantinha alguns traços da infância comigo. Traços que deveria ter deixado para trás. Nunca fui bom em controlar minhas emoções, nunca trabalhei isso. Foi sempre muito explosivo, o que fez a minha família entender que eu era incapaz de me virar sozinho. Nesse momento, a dependência deles deveria ter diminuído cada vez mais, de modo que me tornasse alguém totalmente capaz. Mas por causa do meu descontrole emocional, a dependência se manteve a mesma.

Foi só depois de muito tempo que percebi o quão tóxico isso era. Tanto para mim quanto para eles. E por algum tempo fiquei culpando eles por continuar tão dependente. Mas pensando agora, eu nunce dei a impressão de que eu teria a capacidade de me virar sozinho. Ou de conseguir viver em sociedade.

Eu sou muito grato pela família que tenho. Sempre me apoiaram nas minhas escolhas e nunca passamos necessidade. Não é justo eu culpar eles por um problema que também é culpa minha. Por isso, estou trabalhando para me tornar mais independente e trabalhando meu lado emocional, para que eles vejam que não é mais necessário esse cuidado que eu exigia quando estava no berço.

Vitor Augusto Vogt
Enviado por Vitor Augusto Vogt em 12/01/2019
Código do texto: T6549478
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.