A DOR DE QUEM FICA

Sempre entendi a dor de quem vai, mas agora entendo a dor de quem fica. Me lembro da angústia que senti ao deixar meus pais no aeroporto e embarcar para o Canadá. Chorei um poema de lágrimas. Achei que nenhuma dor seria pior que essa, até chegar o dia de sentir a dor de quem fica.

A cada seis meses eu sinto a emoção do reencontro e a tristeza do adeus. A dor é grande e a gente faz um esforço colossal para resumir o momento a um “boa sorte na Bolívia”, “juízo!”, “te amo”. Quando na verdade, a vontade é de pedir que fique mais algumas horas naquele abraço apreensivo, pesado e desajeitado por causa das mochilas, e que nunca dura o suficiente para que ninguém caia no choro. A gente se esforça para não desmontar, mesmo vendo uma peça do nosso quebra-cabeça de partida.

A dor de quem fica é aquela que passa dias doendo porque o cheiro continua impregnado, a rotina fica vazia, a casa chora e a alegria parece ter ido na mala de quem foi embora. A dor de quem fica é a dor da falta. É um navio pirata sem todos os tripulantes. É passar uma noite fria sem casaco nenhum.

A dor de quem fica às vezes se esconde no canto da alma que você não quer que as pessoas descubram que existe porque se tornou a sua mais forte vulnerabilidade. A ferida arde até chegar o dia de quem foi embora retornar e, nesse dia, você consegue sentir nos ossos o quanto sua presença fez falta e o quanto a memória te pregava peças durante a ausência. O retorno faz com a que a gente relembre dos trejeitos, da comida preferida, regenera o quadro que nem percebemos que estava perdendo a cor.

A dor de quem fica é a pressa de decorar cada traço do rosto e forma do corpo para lembrar e comparar com a nova pessoa que irá retornar. É fazer tudo isso para poder comentar: “voltou mais magro, passou fome?”, “como está branco... esqueceu do sol?” quando na verdade queria dizer: “fiz seu bolo favorito, mas você não estava”, “a casa lá ficou tão vazia quanto aqui?”, “que bom que voltou, senti pressa em te reencontrar”.

A dor de quem fica é um choro engasgado. É sentir de novo o rasgo no peito toda vez que meu irmão arruma as malas. É aprender a viver da maneira que a vida é: passageira.

Ayala Mariane
Enviado por Ayala Mariane em 14/03/2019
Reeditado em 15/03/2019
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