A sentença da chuva

Enquanto isso na sala da (in)justiça, segue lentamente a audiência de instrução e julgamento da suspeita.
Algumas das testemunhas alegam que a referida ré matou a noite (sem dó nem piedade), destruiu as possibilidades de uma noitada regrada de excesso de euforia e causou lesões graves em muitos que haviam criado expectativa de (viverem a) vida.
As testemunhas de defesa, já se apropriavam da justificativa do cometimento do “crime” devido ao estado de necessidade em que a natureza se encontra, já que tem sofrido tanto pelas loucuras ambientais praticadas pelos homens (insanidade capitalista).
Mas a acusada, embora sentada no banco dos réus, e diante do povo que a olhava com desconfiança e desprezo (raras exceção), seguia mansinha, sem provocações mais graves, demonstrando, inclusive, bastante arrependimento.
E como última colocada para expor suas razões e dizer, se é ou não responsável pelo crime (como nos filmes americanos), mansamente olhou para os jurados e revelou: sou eu a chuva, sou culpada... E olhando para o representante da justiça que estava ali para resolver aquele conflito, soltou: -Senhor juiz, com a sua permissão, posso continuar chorando?
E ele, quase que sem palavras por causa da sinceridade da ré, bate o martelo e diz: Ela é inocente! Pode voltar para a sua natureza...
E a chuva continuou, por vários dias, a escorrer sobre os telhados coloniais e sobre o tapete preto (massa asfáltica) sendo aclamada por rosas, girassóis, violetas até que as suculentas começaram a reclamar
-Estamos encharcadas! E as reclamações voltaram.
-Coitada da chuva!
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 16/03/2019
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T6599073
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