As nuances

Eu só estou cansado de contar os números do calendário, é só isso, eu juro.

As folhas daquela velha árvore já se foram, retornaram, e continuam alternando em seu ciclo natural, tão atípico da maneira em que as coisas vieram a ser, se tornar e mudar.

Reciclei-me das memórias, costurei minhas partes rasgadas, pus cola em minhas partes quebradas, abdiquei de mim as minhas partes incorrigíveis, sou alguém cujo posso olhar no espelho agora.

Enquanto você fez da ausência sua própria maldição, inquebrável e permanente; constante em acrescência nos minutos em que é inegável.

Mostrou-me da maneira mais crua o que vem após a serenidade, ensinou-me involuntariamente o que é estar demasiado perdido para nem ao menos saber o que me vem na cabeça sobre ser.

Queria poder sentir a saudade me corroer e me deixar despedaçado, mas agora vejo que não sentirei falta da imitação de si a qual você se tornou, agora você é só uma doce lembrança, e algo me diz que aceitei isso primeiro que você.

No escuro caminho solitário iluminado por postes, vou a passos descompromissados até chegar a qualquer ponto em que minha transparência esvaneça em camuflagem pelo ambiente.

Escrevo até que haja um universo de palavras guardado em estantes repletas, em instantes que quero abrir a mim mesmo para ler o que verdadeiramente há além do que se pode ver no que restou em carne e osso.

Sou rei de meu império de lamentos, sento em meu trono de desilusões, bebo meu vinho de pecados para matar minha sede de redenção, vejo a indisposta luz do dia tocar e refletir as cores de minha coroa de egoísmo insaciável.

Sou o louco que pinta e escreve o mundo a partir da sua insana interpretação, rastejando por gotas de empatia, almejando por migalhas de compreensão de estranhos que talvez o alimente com as poucas palavras que queira ouvir de novo e de novo.

Sou, sou, sou...

Sou alguém confuso, é só isso, eu juro.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 25/04/2019
Reeditado em 25/04/2019
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