Lamentos noturnos

Abro as páginas do Xvideos e do Porn Hub 35 vezes por dia e passo alguns minutos vadiando por tags comuns, desconhecidas e também pelas bizarras. Nem presto mais atenção se estou de pau duro ou não.

Encho a cara sozinho em um velho boteco quase aconchegante e observo sem o mínimo de esperança os carros passarem pela avenida enquanto espero pela embriaguez, mas quando ela chega e me dá um beijo, já não a quero mais.

Flerto com cada gostosa com (aparentemente) mais de 16 anos que passa na rua e fico levemente para baixo pois apenas uns 30% dos flertes dão certo.

Não estou feliz, apesar da contagem regressiva em que a humanidade se encontra.

Não estou feliz

apesar desses sorrisos arduamente esboçados,

não estou feliz, nunca.

Não estou lhe dizendo que não sou feliz.

Eu sei, você sabe, pessoas não são felizes.

Uma barata é feliz, um gato, um louco, um porco enorme e de olhos selvagens atravessando a rua lentamente e atrapalhando o trânsito, talvez eles sejam felizes.

O que eu lhe digo, e que NUNCA estou feliz, mesmo quando, tecnicamente, deveria estar.

Carrego uma espécie de tédio e decadentismo que deveriam ser criados e suportados apenas por aqueles que já experimentaram toda a imoralidade furiosa e apaixonante que a auto proclamada “civilização” tenta esconder de nossos olhos assustados e famintos.

O que fiz demais em vida? Que direito eu tenho de esbanjar e de me afogar em tanto desprezo? O que me arrasta até esse sentimento frio?

Não sou feliz, sou inquieto pois sofro, ou sofro pois sou inquieto?

Sofro calado, sofro quando escrevo, sofro enquanto viro copos e copos aleatórios de álcool, sofro ao ver crianças correndo e rindo nas praças, assim como as crianças de Hiroshima deveriam estar correndo e rindo logo antes de virarem pó.

Sofro por estar, espiritualmente, cansado demais para a luz radiante e para a infinita alegria e energia da minha filha.

Sofro grande parte do dia, mas é na noite que o peso aumenta. Minhas costas não aguentam e desabam e uma dor caótica me toma o cérebro.

Sofro, e não é por causa dos flertes mal sucedidos, afinal, qual seria a graça se todas elas cedessem à esse monstro de cara engraçada que é a minha fome?

Sou uma superfície áspera e metálica.

Sou um Dorian Gray sem beleza e sem retrato.

Sou um Verlaine sem talento e sem a luz de Rimbaud.

Sou Meursault, fumando um cigarro enquanto jogam o cadáver pálido de sua velha mãe em uma cova.

Por vezes, em alguns momentos, nos poucos momentos em que sou pego desavisado por alguma sensação causada seja lá pelo o que for e que ainda não considero banal, meu coração acelera.

É delicioso. Porra. Ele bate forte, sinto marteladas aqui dentro. O sangue explode e jorra dentro de minhas veias. Um pequeno universo de êxtase toma posse de minha cabeça. Por segundos eu paro e lembro como é bom ainda estar no jogo.

Nesse decadente jogo de cartas marcadas.

Mas logo após esses instantes de prazer indescritíveis, quando a sagrada sensação vai embora, a língua azeda da indiferença e do tédio vem lamber o meu pescoço, e seu cheiro de açougue me toma as entranhas.

Mas eu não me arrepio e nem estremeço.

Termino a minha bebida e apenas agradeço por ainda conseguir levar a minha filha ao parque. Existem vários tipos de vitórias. Ainda estou com uma delas nas mãos...

O Bêbado
Enviado por O Bêbado em 26/08/2019
Código do texto: T6729939
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