Quarentena Portuguesa

Esta merda de não sair de casa é uma maravilha

Aturas 24 h sobre 24 H três filhos

UPS…. Saí de uma empresa após 23 anos de trabalho por opção para as acompanhar…

Acompanhar uma porra…Não as conhecia…

Um é o gajo indiferente, absolutamente obsesso com o fim do mundo, ufa, descobri que é um rebelde adolescente a adormecer à sombra dos vinte anos, que afinal não são drogas, mas sim uma estúpida forma de ver a crise dos antes-intes.

Outro que é o diplomata, que afinal tem crises de identidade, tem umas pausas loucas de chamadas de atenção, umas explosões pelo meio, porque não aguenta mais ser o diplomata da família, que grita quando entra em fúria e só deseja estar fechado numa caixa de cartão ,com uma arquitetura desenhada em semblante em que não entra ninguém, e nisto a mãe altamente excluída.

E por fim vem o terceiro, o Júlia Robert versão máscula, o maior, a auto estima em alta, o mandão, o maior, o autoritário, as covas no rosto que em nada se parece com as minhas mas sim idênticas ao avô que não conheceu, e ao meu pai que por opção dele eu perdi.

Isto é difícil, esta merda de ser mãe é maravilha daas 20h às 22h e das 7h ás 8h…15 dias ao ano nas férias do ano, isto é o que conhecíamos até à data, demorei quase 44 anos a conhecer a maravilha de ser mãe, 24 h sobre 24h.

Ser mãe é de facto ser um spirit Bird, é ser livre dez segundos ao dia.

Isto é simplesmente maravilhoso

Descobres dúzias de piolhos nos miúdos

Que um não quer pegar num livro

Que o outro não sabe fazer uma linha sem me chamar

E que o outro só me quer saltar às pernas

E isto é amor.

Amor da qual abdiquei mais de vinte anos da minha vida e de uma outra família para me dedicar, amor que durante 19, 9 e 5 anos achei conhecer…

Afinal descobri em uma semana que o mais velho não está nem aí para mim, que tem o cabelo descabelado, acorda pelas 13h e está-se nas tintas para às vezes que o chamo para a mesa, faz o que quer e quando quer, leva o lixo SE QUISER, toma banho SE QUISER, come o que QUER e QUANDO QUISER, descobri que é assim, que passa horas a jogar como eu quando tinha menos de vinte euros escrevia, noites e noites banhada a jarros de café e umas garrafas de vinho escrevia, com a mesma insanidade, com a mesma paixão eloquente dos menos vinte.

Era gaja, eloquentemente apaixonada por um tipo adorável que me amou até por me abandonar por amar demais na loucura dos dezasseis anos, que escrevi páginas doentes noites a fio em desespero de causa, loucura que acaba antes dos vintes e morre antes dos quarenta. Nunca lhe disse, mas foi uma amizade secreta que durou vinte cinco anos, uma amizade pura que levou tudo a seu tempo, toda a turbulência de sentimentos, liberdade, loucura e vida.

Descobri que tenho um gaiato de nove anos a um mês de fazer uma década, inseguro que se farta que não se compreende porque é giríssimo, chapado à tia que não está presente e que mal nasceu e o viu disse: “ Todos os bebés são medonhos mas este é lindo de morrer”, e é , é igual a ti Marta, lindo de morrer, o síndrome do meio, o príncipe, e quem diria o mais inseguro, que não consegue fazer trabalhos de casa sem me chamar uma dúzia de vezes.

E aquela boca, aqueles lábios que me matam que sei que vai acabar com a auto estima de qualquer um, que pela sua diplomacia vai ser o aconchego de qualquer um e ninguém vai entender, tu não sabes síndrome do meio mas cada dia que acordo e te olho revejo a tua tia nos teus olhos, nos teu lábios e só me recordo daquela cama de S. José da qual me despedi de ti a cheirar a Redken por todos os poros e te beijei as mãos pintadas de fresco e a tua boca como a tua última vez, e foi, de facto foi.

Marta, não estás, mas estás em todas as borboletas que sobrevoavam a minha cozinha até me dizerem que era banhada de traças… E tu até podias ser a minha traça, mas eras minha e estavas comigo.

Estou a conhecer os meus filhos, e quando chego ao terrível, lembro-me de mim, és o pior de todos, a minha patanisca, o meu bebé de 2,750 kg, a minha milena dura de nem nove meses de gravidez, fruto de uma dura diabetes desde o primeiro mês de feijão, alimentado a saladas grelhados e salteados, privado dos sonhos de morangos e coisas boas, injetado desde o primeiro momento, privado das coisas boas, nascido de uma forma tão serena e fraca sem alimentação, sem fome, com três meses e um rim a menos de 12 ml que o outro, sem fome, com muito choro, internado por duas semanas nos meus braços aos nove meses agarrado a mim como se fosse o ultimo morango da vida, fez de mim a tua arma manipulada da vida, e é isso, és minha fava, a minha ervilha que basta uma covinha ou uma lágrima cheia de mentira nos olhos para dar a volta à minha vida em dois segundos.

E agora em sete dias, percebo!

Percebo que um não quer saber de mim como eu não queria saber da minha mãe

Que o outro quer a minha atenção, mas como diplomata que é não pede

E o outro cria o momento para me chamar a uma cama de hospital quando tinha nove meses e era a única coisa importante na vida.

E há o quarto, o filho grande, que como criança adolescente que é de quase quarenta anos chama por mim, grita por vezes, que amo incondicionalmente, que amo como se fosse o meu ultimo morango na minha vida, porque me acolheu no colo aos vinte cinco anos com um filho no colo como se fossemos o mundo adulto dele, porque acreditou que comigo seria feliz, porque achou ter encontrado uma mulher com M maiúsculo, porque pensou que tudo seria simples apesar da dura batalha de ter alguém duramente mais velha, com uma história de vida dura e crua e um filho no ovo seria mais simples do que aquilo que os seguintes quase vinte anos depois de revelaram.

Ao meu quarto devo, a maturidade, a serenidade, o facto de me ter feito ser alguém muito melhor, a honestidade, a justiça, o bem dos outros, o SER.

Tudo o que sou devo a estes quatro, a estes tipos com quem partilho a casa e procuro encontrar coisas minhas, no mais velho do trio descubro a rebeldia da minha adolescência, no do meio a minha inocência, no mais novo o meu lado descarado, no grande descubro a virtude de ser quem é, da bondade de dar sem pedir algo em troca, no amor que transmite em tudo, em mim…

São oito dias a conhecer o meu lado deste lado do rio.

E o pior, é conhecer esta miúda que ainda nada do lado de cá…

Revejo-me nos dezasseis anos, sem magia de fazer ver o brilho que havia de ser corroído, no desespero de crescer à maioridade, às noites eloquentes no escritório do meu pai a escrever a duas mãos, revejo-me na inveja infantil da alegria e diplomacia da síndrome do meio, e na infância estampada num triciclo a meter a testa num bloco de mármore que trago até hoje.

São oito dias que me vou conhecendo, vos vou conhecendo e vejo que o amor não é nada perante o tempo, que o tempo é um ladrão gente , que nos rouba recordações, nos rouba a vida e o umbigo, que nos leva tudo o que quer…

“Eu não sei se me vais escutar por cá

Quando eu já estiver do lado de lá”

AMO-VOS

Joana Sousa Freitas
Enviado por Joana Sousa Freitas em 20/03/2020
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