Gênesis, por um desgraçado

Às margens de um pequeno lago esquecido,

um velho deus com longos cabelos grisalhos e revoltos,

deitado com certo desleixo na grama alta

e as pernas mergulhadas na água morna,

ouviu ao longe a minha voz suplicante,

então, cheio de preguiça,

abriu os seus olhos profundos

e criou os cigarros

e o café.

Depois, entre bocejos e sorrisos

criou também as ruivas,

para que o meu inerte coração batesse em completo descompasso.

Pensativo e com pena do que seria a minha futura sina,

criou o vinho,

doce,

cruel,

salvador,

vermelho

como os cabelos delas

e criou também a noite,

para que eu pudesse lamentar por amá-las

além do necessário.

Foi quando a primeira gota de chuva caiu

fria, naquele misterioso rosto etéreo

e vendo com satisfação tudo o que havia criado,

o deus voltou ao seu dourado altar pagão,

onde repousará durante séculos incontáveis.

Ele ainda dorme lá, cercado por belezas sem nome.

Eu estou só, em meio ao escuro dessa noite que já estava destinada a acontecer.

A chuva sabe disso,

é por isso mesmo que está caindo

mais forte agora.

A minha ruiva foi embora de vez e o vinho acabou, cara.

Contei apenas três cigarros na carteira.

Peço calma a mim mesmo

e repito mentalmente, numa espécie de mantra desesperado,

que essa

será apenas mais uma

longa madrugada.

O Bêbado
Enviado por O Bêbado em 06/05/2020
Reeditado em 06/05/2020
Código do texto: T6939558
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.