EU E O RIO

Nasci a poucos metros de um rio. Se o fato tem qualquer importância não sei se descobri qual seja, embora em todas as horas, pela vida afora, ouça o ruído úmido corrente e imutável das águas a caminho de seu destino. De alguma forma, meu trajeto atrelou-se ao dele, preso nos barrancos de sua calha, cujo traçado margeia a cidade. Inconstante e indiferente por vezes, expõem a amplidão de sua revolta nas enchentes sem fim a derramar desassossegos, e sacudir os ingênuos e os conformados nas planícies da ignorância.

O mar nos espera impaciente, afastando-se na maré baixa, receptivo na alta, um tapete estendido na areia. O sol e a lua observam solenemente a água barrenta se misturar ao oceano, despir-se de sua identidade, dissolvendo um pouco a cumplicidade da nossa agonia, alegria, tristeza, adquiridas no percurso longo do planalto ao mar.

Ao sabor das marés seguimos, o rio e eu. Por vezes calmaria, por vezes tormenta, divididos em partículas, nos misturando ao todo, às vezes límpido, às vezes turvo. Enfim, um painel de acontecimentos imprevisíveis e inesperados despejados no oceano. Somos náufragos na busca do sentido da caminhada, impregnados de preceitos, pré-conceitos, teorias e utopias que já não nos servem mais.