Desespero no sinal

O sinal está fechado.

Os carros, apressados, buzinam para mim.

Sei que o sinal está quebrado.

Sei que não tem conserto.

Tenho medo de avançar e atropelar os pedestres.

E são muitos. Reconheço algumas figuras na neblina.

Muitos de mim, estão ali, à minha frente,

Se arriscando ao atravessar a rua.

Mas, o sinal está quebrado e os carros buzinam para mim.

O sinal está fechado e os pedestres atravessam.

E muitos dos pedestres sou eu.

Sei que sou eu, mas há uma neblina que me impede de vê-los claramente. Seus rostos estão cobertos.

Me confundo entre essa gente e não sei deles quem sou eu.

Os carros estão apressados, atropelando as pessoas.

São muitos, agora, os atropelados.

Eu fico parado, querendo me defender, eu estou atravessando.

Os carros buzinando, me ordenando a sair.

Estão quase me batendo.

Eu sei que o sinal está quebrado.

E não gosto nada disso.

Eu o queria funcionando.

O retrovisor me informa: há pedestres atrás.

Estão sendo atropelados.

Não há neblina atrás.

Vejo claramente.

Alguns dos pedestres atrás também sou eu

E, ali, fui atropelado.

Preciso me defender à frente.

Não posso deixar que os carros me atropelem.

Mas, a neblina não me permite saber quem sou eu e como estou.

Agonizando de desespero, aqui, nesse volante,

Olho para o meu passageiro e o vejo sangrando, muito.

E o meu passageiro sou eu. E ele está morrendo.

O sinal está quebrado. Alguns carros estão avançando.

Outros buzinam, querendo passar.

Pessoas estão sendo atropeladas à frente,

E um deles posso ser eu. A neblina é densa.

Atrás, quase morri.

Meu passageiro morre pelos atropelados atrás.

Eu sangrarei pelos atropelados à frente.

Provavelmente, também morrerei.

Não posso deixar que me atropelem.

Não quero avançar. Mas preciso avançar.

Não posso deixar que os carros que buzinam me atropelem.

Não quero morrer como meu passageiro.

Me desespero: o sinal estando quebrado; essa impossibilidade de consertá-lo;

A impossibilidade dos motoristas dos outros carros entenderem;

Os outros carros estarem atropelando as pessoas na neblina;

A impossibilidade de saber quem está sendo atropelado;

Eu ter sido atropelado atrás; meu passageiro estar sangrando tanto assim; ele está morrendo; com ele morre um pouco de mim;

O medo que tenho de sangrar como ele; o medo que tenho de morrer como ele;

O medo que tenho de avançar;

A necessidade que tenho de avançar.

Estava sendo empurrado. Não posso ser empurrado.

Tenho que seguir meu próprio curso.

Tenho que tirar o pé da embreagem,

Engatei a primeira marcha.

Tenho que avançar. Engatei a segunda. O sinal ficou para trás.

Não dá pra evitar que me atropelem ficando parado.

Posso atropelar alguém...