Bodas de Barro

 

a este barro que se modele
você, minha escultura, Micaele

 

Flor minha de meu canteiro íntimo, começamos nosso ano de papoula em quentes águas de novas caldas. Ao lado de amigos queridos, nos banhamos de expectativas futuras. A capital do Brasil saudou nossa mineiridade com as bênçãos da Senhora Metropolitana. E, como apreciadores da cevada que somos, mergulhamos naquele chope do qual tanto gostamos. O sufoco da volta sob as rodas da Poderosa. Tantos quilômetros sem o suporte do gás que nos impulsiona. Por pouco não paramos na estrada.

Tão bom passeio que fizemos somado à saudade de nossa pequena. A chegada ao lar agora é sempre razão de alegria às lambidas que recebemos de nossa Frida. E ficamos nos preparativos de volta às aulas. Aquela ânsia que só professores e alunos sentem no fim do primeiro mês do ano. Novas turmas, novos alunos, novos horários; aquele início de ano letivo típico. Começamos os trabalhos.

E tivemos mais uma viagem à terra dos diamantes. Primeira ao lado de meu afilhado. E, para não sentir saudade, desfilou pelos calçamentos de Diamantina a nossa pequenina Frida. Viagem família com todo o sabor do encanto que aquela cidade nos traz. E, ao retornar para a casa, somos súbitos comunicados: “suspensas estão as aulas”. Serão apenas por alguns dias pensamos, “só que não”.

E nos foram olhando pela tevê tantas notícias tristes. Tantas imagens que partiram nosso alento sensível. Disseram que de nossos pais deveríamos ficar distantes. Isolados em casa ante a propagação do vírus. Despedida de amigos e de colegas e de alunos e de tantas pessoas queridas. Assim, aquele ano que sonhávamos ter foi se distanciando para se moldar, tristemente, em óbitos. Quantas perdas de pessoas que admirávamos por este mundo, e quantas perdas de pessoas que nos rodeavam. Eu, você e nossa filhinha, em medo e fé, abraçados.

Fomos fortes em nosso lar, que deixou de ser apenas aconchego para ser escola. Diante da tela do notebook, ministramos aulas para alunos que se escondiam por trás das câmeras. E nos reinventamos em nossa dinâmica professoral. Nossa rua de passeio tornou-se as redes sociais. E estreitamos nelas nossas rotinas. Tudo passou a fazer parte do trabalho. E nos víamos em casa como se estivéssemos no colégio. Dias, todos da semana. Mas, somos prosa e poesia, minha neve morena linda. E, nos intervalos de recreio, nas trocas de horários, nos braços um do outro nos encontrávamos. Quem estranhou essa presença-ausência foi nossa pequena, sempre a mordiscar nossos pés chamando a brincar de pega.

As papoulas deste ano foram as rosas de seu jardim. As plantinhas que suas mãos cultivam suavizam o concreto de nossa casa. O quintal nos entreteve e, sobretudo, o quiosque. As noites a dois ceando ao fogo da churrasqueira. Que ano este.

E fomos seguindo remotamente nossa educação. Momentos únicos de extroversão e também aqueles instantes de cansaço. É, este ano foi lição, minha graciosa. Lembrei filmes e séries aqui agora. Nosso entreter além de leituras e músicas. Você, minha dica literária da semana.

Se nosso oitavo ano é de barro, só sei que sua liga é inquebrável. Juntos sempre na harmonia de nossa canção, a vida nos é dádiva. E, serenos, findamos este ano com a esperança de que o próximo nos será mais sorriso. O que ganhamos e perdemos com a pandemia é mensura de relativo olhar. Só sei que contaminados estamos com o vírus do verbo amar.

 

Seu Márcio
15 de dezembro de 2020