Coisas que acontecem...

O embornal, de tão surrado pelo uso contínuo,
estava com as suas tramas já bastante espaçadas e,
no decorrer do caminho, caiu uma semente
em meio a alguns espinhos.

Aquele moço, sequer percebeu o ocorrido
e seguiu a sua rotina,
como se nada tivesse acontecido,
cantarolando bem baixinho
uma canção que, há anos,
o pai dele o ensinara.

E assim, todos os dias,
seja sob chuvas ou sol,
estando claro ou - muitas das vezes - escuro,
ele vinha e ia, na maioria das vezes, sozinho.
Mas acontecia de alguém, por vezes,
precisar ir no mesmo sentido
e lhe fazia companhia.

O tempo passou, a paisagem mudou e,
em um belo dia, à tardezinha,
quando já estava de retorno para casa,
assim que saiu da pinguela,
ele viu algo diferente ali, à direita do caminho,
e pensou que seria um bichinho,
ali se aquentando, pois estava bem frio.

Ele se achegou com cuidado, pé ante pé,
pra observar melhor o bichinho -
se bem que o tamanho do que ele viu
era de médio pra cima - e ele não reagia,
nem bulia. Do jeito que estava ficou,
e o caminhante até pensou
que ele estava morto.

Precavido, levou a mão ao nariz
para se proteger do fedor,
no caso daquilo estar mesmo morto,
e, sabe-se lá há quanto tempo.
Recolheu um galho seco,
que estava por ali, pra cutucar de longe
aquele negócio, possivelmente, nojento.

E assim ele fez. Encurvou-se um pouco
e se achegou ainda mais
com o braço direito estendido,
que foi prolongado pelo galho que recolheu.
Na primeira cutucada que deu,
surpreso, já baixou a mão das narinas,
pois percebeu e entendeu
tudo que estava acontecendo.

Aquilo não era um bicho,
mas se tratava de uma empoeirada melancia,
fruto daquela semente que,
despercebidamente, há algum tempo,
veio a cair do seu embornal, a qual,
mesmo em circunstâncias inapropriadas,
germinou e produziu um lindo fruto,
melhor até que aquelas melancias
por ele cultivadas.

Ele a colheu e levou para casa,
e fez a alegria de todos,
especialmente da criançada.