LUTOS DIÁRIOS

LUTOS DIÁRIOS

Alguém ou algo bateu à minha porta no dia em que o tempo já dissipara todo o silêncio. O silêncio gritara no exercício de me fazer ser um reflexo de tudo aquilo que eu suportara nos dias sem nobreza. Um rugido de leão ecoando numa caverna onde apenas uma fresta de sol veio trazer a nitidez que eu precisara. Não é um sofrimento vitimado, mas ritmado, por isso faço poesia. O que vale versar?

Há corações que se despedem da capacidade de amar. Assim pensei comigo. Mas, estou envolvido por uma atmosfera a qual não sei adjetivar. (Re)descobri em mim o velho e o menino, o homem e o poeta. Desaconteci para acontecer. No quão do vulnerável cresceu a minha versatilidade. A habilidade de me moldar diante das diversas situações da vida. Encontros e desencontros. Passado que se quer presente. Futuro que clama por um agora.

Limites e oportunidades duelam. A certeza e o temor de poder ser mais. Avidez que se atropela e se ensina. Desafio de ser autodidata sem perder a delicadeza. Medo de desdizer o que ainda acredito. Onde assino o contrato?

Sei. Sei que sou o êxodo de mim, que come o suor do rosto próprio. Precisamos renovar nossos motivos todos os dias. “Viver é recolher os lutos diários”. Não devemos deixar o corpo morto das nossas escolhas infelizes, os desaforos e, tudo que já não representa acréscimo benéfico apodrecer e exalar seu odor diante de nós.

Nem sempre o refúgio produz respostas sábias. É preciso viajar no artesanato, com calma, estruturando a contemplação que é inerente aos sábios. Chega de respostas prontas. Essa vida instantânea está modificando o jeito bonito de nos debruçarmos na poesia. E é necessário humildade para colher aquilo que seja realmente fértil. A arrogância nos sepulta.

As rugas da alma se transferem ao corpo quando há a dissolução dos sonhos. Projetemo-nos. O tempo: maresia que corrói os significados ou o cheiro do mar que nos lembra do quanto ainda há de ser navegado? Anacrônica sensação quando a vontade pede e as restrições respondem. Caíram os frutos; raízes se fincam profundamente, nelas estão o sustento, o significante e o significado.

Finalizar é tão difícil quanto iniciar. Mais importante que idade na vida é vida na idade – vital(idade) – pode ser qualquer uma. As fugacidades escolhidas por nós são fugas que nos trarão frustrações. O supérfluo é uma maneira de nos afastarmos dos vínculos, porque criar laços é sofrer, amar. “Amar é sofrimento de decantação”, como bem diria a poetisa Adélia Prado. O medo de amar é o alicerce da solidão. Nem tudo é tão incerto.

O aprimorado da vida começa em um agora, embora não tão emergente; há de imergir. Sobrarão remorsos ou saudades? Cortes não sendo bem sanados, serão cicatrizes. Mas, só fica a marca em quem já marcou... Meu sangue em outras veias já correu. Sou de ferro e cristal. Também sou o que não sei ser. O inacabado de mim se encontra com a prontidão do outro. Identidades sem nomes.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 14/06/2021
Código do texto: T7278896
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