Nicotina

A cortina de fumaça era densa feito

a névoa de uma madrugada fúnebre;

e Tatiana estava em seu lugar:

sentia-se em casa, mesmo diante

de tanto desapego emocional.

Abaixo da nuca, uma Hello Kitty tatuada:

símbolo restante dos tempos em que

ainda enxergava as cores.

No antebraço, a insígnia desgastada da

fé cristã que perdera havia anos.

Três drinks depois, ela aceitou o convite.

Meia dúzia de palavras promíscuas e nem

uma sílaba romântica, foi o suficiente.

À meia luz, Tatiana se despiu

com a naturalidade de quem poderia estar

diante de um cônjuge desinteressado.

No rádio, uma canção a transportou

ao passado; cifras poéticas que

um dia soaram verdadeiras.

Deitada na cama, fitou a arte do teto

grafitado pelas nuvens de nicotina,

e logo sentiu a língua cinza do parceiro

cortar seu peito dormente.

Do mais, nenhum outro acontecimento

alterou a normalidade dos seus sentidos,

nem mesmo a notícia de um desastre de

grandes proporções que interrompeu

a programação musical.

Ao amanhecer, a insônia persistia, e a chuva

era apenas um artifício que, por ora, regava

as flores mortas do jardim.

Renato A
Enviado por Renato A em 23/10/2021
Código do texto: T7369988
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