O preco da poesia

Hoje escrevo inquieto e arredio, como se dois mais dois fossem cinco, porque sendo eu que me expresso nao sao, meus, meus pensamentos. A palavra que alimenta o texto que insisto pertence a outro, e que nao sendo alhures melhor que eu, através de mim se confessa deveras diferente. E assim, essa ausência, estranha de mim, faz com que materialize o outro que,caricaturalmente sempre me observa, a partir da parede do espelho em que me dispo e despenteio. E ao surgir do interior dessa lâmina resplandecente, vem rindo jocosamente da figura que ostento.

Quando teimo em distrair, grita bem alto aos meus ouvidos: poeta medíocre!

Critica-me a roupa que visto, o corte de cabelo "a la escovinha",o sapato que uso, as camisas e as gravatas que detenho! Zomba da minha fidelidade, da ternura que tenho pelos filhos. Afirma que a comida que gosto é ruim, que a agua que bebo é veneno e que o comedimento que arduamente professo é uma grave doenca que me levará bem tarde á morte, agonizando uma vivência tão insossa!

Alardeia ceticamente que me falta a coragem dos grandes e a violência dos heróis! Que pela vida que levo meus versos sempre serão pequenos, porque é pífia a minha vontade de me atirar ao mar que me cerca ou deixar me levar pelo redemoinho que passa ao largo. Brada aos ventos que o meu cotidiano não vale sequer um níquel furado!

É esse outro que me quer ousado, diferente, mais atirado á efemeridade da vida e a presenca da morte que me calca os passos todos os instantes; me quer livre de um amor para poder viver sem arrependimentos muitas paixões e muitos outros amores, levianos, insensatos, imedidos e inexatos; e quer me empaturrar de sal, de uísque, comida gordurosa e tantas outras coisas que podem me fazer mal; falar mal dos outros, furar sempre o sinal; ciganear por outros países, fumar charutos, cigarretes, cigarrilhas, crack e destruir o meu nariz com cocaína; quer que eu abandone o Quintana, o Drummond e a Cora Coralina e insiste que eu leia os poetas malditos e muito,( mas muito mesmo)poesia ruim e pornografia.

E convicto do que diz, me ensina: Se não atirares ao fogo, jamais poderá queimar a pele dos outros com a sua poesia; se nao se afogares ao mar jamais poderá terá gosto de sal a sua lirica!

E me pergunta e eu nao posso responder: Estás disposto a pagar o alto preco que pode cobrar a verdadeira poesia, para que possas tê-la como cativa?