Mar Profundo

                                                

 


Só mesmo um mergulho livre poderia me devolver a excelência do fôlego, a urgência de abrandar tormentas e emergir com alma então, tomei coragem e sem nenhum lastro, fui descendo devagar. Eu já conhecia muitas daquelas belezas e para não me distrair me concentrei em buscar uma única estrela. A medida que descia, eu contemplava flores marinhas luminescentes, conchas que se abriam em ferimentos perolados. Um paraíso de cores e vidas. Cardumes de diversas espécies aproximavam-se do meu corpo e se afastavam delicadamente. Quanto mais eu imergia, mais a pressão aumentava. Mesmo sem contato com a vida eu vivia. Como boa profundista, tinha aprendido a enganar o corpo com certa técnica da apnéia.  Enquanto há ar nos pulmões se respira. O tempo era curto, eu sabia, mas continuei descendo...sem medo. Era imprescindível encontrar a estrela. Agora, a luminosidade baixava e correntes marinhas muito frias pareciam congelar meus ossos.  Vi algas vermelhas gigantes e seu bailado sombrio na penumbra de um mundo onde tudo começou.  Minha única fonte de ar comprimido, eram meus pulmões que sofriam, mas eu via seres extraordinários que  suportam pressões altíssimas:  Peixes luminosos, esponjas, lírios-do-mar em meio a cemitérios marinhos. Sozinha naquela imensidão, uma lancinante nostalgia de luz inundou meu peito. Fechei os olhos e imaginei o sol engendrando-me e todos os naufrágios da alma ganharam sentido e esplendor - Não! - eu pensei - Eles não foram em vão. Eu estava perto do mal tão temido pelos mergulhadores, a famosa “embriaguez das profundidades". Meus reflexos diminuíam e eu já não sentia meus lábios, nem as extremidades dos dedos. Minhas artérias pareciam explodir. Eu tinha sede de ar quando, de repente, eu a vi. Lá estava ela....Minha estrela derradeira. Translúcida, ela parecia sonhar levitando e pousando graciosamente no solo então, eu a segurei bem firme e subi o mais rápido que pude. Quando cheguei a superfície, respirei fundo. Sob um céu de chumbo, eu tinha acordado num cais noturno onde tudo era Adeus. Vi meus olhos dentro dos teus feitos de abismos que guardam uma inescrutável poesia. Mais uma morte, e o exílio no silêncio abissal. Outro naufrágio, e de novo eu nascia. O destino, carinhosamente, tinha reescrito mais uma estória nas palmas das minhas mãos vazias.