Redações vazias I

Novamente sinto alguém batendo na porta. As batidas doces e suaves que quase não escuto. Quem bate parece não querer me despertar. Onde está minha reação? Por que não consigo levantar para atender a porta?

Pela janela vejo o reflexo, a sombra de alguém aguardando do lado de fora esperando a porta se abrir. Continuo deitado aqui, sem me mover, sem ao menos gritar: - A porta está aberta pra você entrar!

A brisa forte faz a cortina balançar, enquanto meus olhos piscam consigo enxergar os fios de cabelos brincando com o vento. A casa está uma bagunça, tão desarrumada... Não posso receber uma visita assim!

O silêncio então é interrompido pela voz, alguém me chama, grita meu nome repetida vezes. Um tom feminino, doce, delicado, conhecido... A mulher me chama dizendo seu nome, mas não consigo entender. Por que?

Pude ouvir o trinco da porta se abrindo. Seja lá quem for, parece que conhece o lugar onde está. Ela entra como se já tivesse vindo aqui, ou melhor dizendo, como se já tivesse morado aqui. Quem é ela?

Parece tão avontade em minha casa, acho que ainda não percebeu que estou aqui, deitado, acabado, malancólico em minha cama. Ela se vira na cozinha, pega suco, liga o rádio, senta no sofá. Suspira, um suspiro profundo, acompanhado pelo meu. Dilema!

Aos poucos vai arrumando a bagunça, colocando tudo no lugar. Estranho como ela sabe da posição de cada objeto, como sabe onde deve colocar cada coisa minha. Até encontrar um portarretrato, totalmente quebrado.

A moça chora, se ajoelha apertando a foto em seu peito. Eu não entendo o motivo que a leva a fazar isso. Ela beija a foto, olhando demoradamente para a imagem. Que foto é aquela ali? Não me lembro, espera, por que o portarretrato está quebrado?

E do nada ela se vira, olhando em direção ao quarto onde estou. Penso que enfim ela me achou. Com passos lentos, caminha em direção ao quarto, empurra a porta, e silenciosamente entra.

Aquele rosto, nossa como não pude perceber que era ela. A única pessoa que já viveu aqui, mas algo está diferente nela. O que está acontecendo aqui? Será que ainda não me viu deitado na cama? Por que ela está chorando tanto assim?

Mais uma vez ela grita meu nome, dessa vez bem alto. Aos berros, ela corre em direção a cama, onde estou deitado, e pula sobre mim. E derrepente não estou mais lá. Eu tento abraça-lá, mas nao consigo. Só então eu entendo o que está acontecendo.

No fim e tudo isso, ela pergunta, deitada na minha cama, abraçada com minha foto. No meio de toda a casa bagunçada por ela, quando teve um ataque de depressão, logo após a minha morte.

- Por que você se foi ? - Ela pergunta.

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