De repente...

 
De repente eu não quero escrever. De repente eu não quero escrever nem ler. De repente não quero fazer nada ou nada fazer. Já estou acostumada com isso, vem sem aviso essa vontade, ou falta dela. Vem e se instala como a chuva, molhando tudo. Não a chuva que molha e limpa, mas a chuva que molha e suja. Barreia tudo. Fico aflita esperando que passe, mas não tem mandinga, como a chuva: basta jogar um ovo no telhado, para Santa Clara. Com muita fé, é claro. Eu mulher de pouca fé, faço minha mediazinha apenas esperando. Sei que passa. Tudo passa. A chuva e a letargia. Ambas podem deixar trágicas conseqüências, mesmo assim, passam. A gente quase esquece que houve um dia em que a chuva choveu mais do que devia e a vontade faltou sem nenhuma justificativa ou aviso prévio. Quase, mas não de todo. É só olhar para o céu e ver o azul tornado gris. Como um toldo. E quando percebemos que a lona do circo está furada nem tempo dá mais para abrir a sombrinha. E nem adiantaria porque ela também está furada. Nenhuma proteção em torno de nós. Como o náufrago em uma ilha. De repente sinto um sono tão grande que fecho os olhos para nada ver. Como as casas fecham as janelas para se protegerem. Sem sucesso. A água busca a mínima fresta para dar início a inundação. Como as lágrimas, águas de nosso profundo mar interior.