Página de Diário
Já tive muitos Diários iniciados, mas nunca os levei a bom termo, sendo logo esquecidos assim como minhas agendas até hoje são. Considerando que diários são confidentes aos quais relatamos o que de importante nos acontece a cada dia, o que escreveria nele hoje, se o tivesse,para reler na posteridade?

Dia 09 de fevereiro de 2012.

Meu querido Diário hoje o dia amanheceu tão quente que...
(Não, isso não teria nenhuma relevância. Vamos recomeçar:)

Querido Diário, hoje perdi a hora para ir a Clínica fazer meus exercícios de condicionamento físico porque, depois de levar os meus cãezinhos para fazerem suas necessidades fisiológicas, voltei para a cama e dormi de novo. (O que? Dormir de novo com esse calor? Impossível, a menos que estivesse doente. Vou tentar mais uma vez:)

Diário. Hoje, quando eu estava indo para a minha Fábrica de Pães eu vi Jesus Cristo. Sabe, aquela história que nos contam no Catecismo, de que é preciso amar o próximo como a nós mesmas? O truque é imaginar que o outro é Jesus Cristo. Nunca tinha funcionado comigo antes, mas hoje, talvez por causa do sol que estava me derretendo como se eu fosse um picolé de doce de leite queimadinho, eu vi JC. Descia a rua pelo meio, pedindo para ser atropelado, vestindo um macacão de jardineiro de filme norte americano, macacão jeans, camisa xadrez vermelha, a mão estendida em minha direção. Pensei, se é o Jota C, vou tratá-lo muito bem. Dei-lhe todas as moedinhas que tinha e pedi-lhe que continuasse a andar pela calçada. Seus cabelos eram castanhos arruivados, bem como sua barba, os olhos azuis, azuis, azuis... Bem que podia ser Ele mesmo. Diacho. O sol está me fazendo mal mesmo... Pois não é que a culpa me pegou de jeito e eu virei à esquina e subi a pequena rua pensando que se é para ser bom tem que se fazer a coisa direito, dei-lhe todas as minhas moedas, as dinhas e as donas sem observar se ele tinha lugar para guardar. Certamente logo, logo elas lhe escorreram por entre os dedos. Devia ter lhe dado porta moedas que comprei em Paris, na Torre Eiffel.
 
Di. Hoje eu vi Jesus Cristo e lhe dei todas as minhas moedas, mas recusei-me a dar o porta níqueis, só porque o comprei em Paris. (Recomeçando).

Querido Di, hoje, depois que vi Jesus e lhe dei uma esmolinha, fui subindo a ruazinha e vi uma pessoa descendo com uma sombrinha aberta para se proteger do sol. Pensei que fosse uma mulher, mas era um homem tão magro, mas tão magro e eu logo fui concluindo que estava com AIDS. Certamente não usei aquele truque que você sabe qual é. Droga, devia ter trazido uma sombrinha, afinal para que serve uma sombrinha senão para fazer sombra?

Não, não e não, assim não dá. (Riscando e rabiscando, rasgando e amassando a folha do diário)

(Nova tentativa)

Caro diário. Hoje é dia nove de fevereiro e o sol está de rachar. Não fui ao condicionamento físico porque dormi demais, apesar do calor de matar. Subindo a rua vi Jesus Cristo descendo, vestido de jardineiro de filme norte americano e pedindo esmola. Dei a esmola e o tirei do meio da rua para que não fosse atropelado. Vi um homem se protegendo do sol, com uma sombrinha, magro, mas tão magro que logo imaginei que estivesse doente. Quando virei à esquina, vi um casal saindo de minha Fábrica de Pães. Julguei reconhecer o homem e estava certa. Eu o conheci quando frequentei a Summit Lighthouse com meu sobrinho Alexandre. Falamos sobre ele, só coisas boas. (Mas para que tanta conversa fiada se a única coisa que vale a pena escrever hoje é...)

9 de fevereiro de 2012 –
Hoje está fazendo um mês que meu sobrinho Alexandre Lopes de Melo, morreu pela última vez, assassinado a golpes de tesoura. Foi sua última morte, já que vinha morrendo aos poucos, assassinado diariamente pelo uso das drogas.