Paralelos - A Terra dos Desaparecidos - Prólogo

PRÓLOGO

Ele encontrou um espaço vazio na imensidão de escuridão e luz que já existia. Era um espaço grande e não havia nada lá. Se alguém pudesse enxergar o nada e seu cérebro fosse forte e inteligente o bastante para suportar a falta de conceitos lógicos para explicar, descreveria o nada como um vazio de massa sem cor cinza e bege ao mesmo tempo, algo que está ali e não está ao mesmo tempo, e depois emudeceria e enlouqueceria porque não há tempo lá. Não há como explicar o que viu porque não havia o que ver. É o nada.

“O nada não existe”, alguma coisa vinda do corpo de uma das forças que move o mundo dirá dali a milhares ou milhões de anos. Mas é mentira. Tal criatura acha que o nada é a escuridão onde vive, porque a escuridão, pela lógica, é ausência de luz. Falta de algo é o nada. Mas ele está errado, porque escuridão é alguma coisa.

Ele só não compreende porque, apesar de sempre ter existido na escuridão, ele também foi criado num espaço onde antes havia o nada. Por alguém muito, muito mais antigo que ele. Alguém que estava ali, agora, no limite entre a escuridão e o nada.

“É um bom espaço”, pensou. “Muito bom para o que quero fazer”. Então Ele apanhou uma porção da escuridão ao seu redor e jogou dentro do nada, porque era assim que Ele fazia sempre. A escuridão era o que havia de mais parecido com o nada, e era um excelente começo. Então Ele conseguiu entrar lá, porque já havia alguma coisa preenchendo aquele espaço inominável.

“Inominável é um de meus muitos nomes”, pensou, com certa ironia. Uma ironia tranquila, no entanto, que reverberava no espaço de escuridão onde agora também habitava o som, pois Ele havia falado. Então abriu os olhos, e as luzes saíram de lá do jeito que ele planejara, e ficaram guerreando contra a escuridão, que começou a parir seu exército de sombras, que vagaram no espaço infinito, enquanto Ele criava um lugar para elas. Uma delas um dia diria “o nada não

existe”, mas estaria errada. Ela era um bebê e não viu quem jogou sua mãe ali, onde antes havia o nada.

Ele observou, por um instante, luz e trevas brigando pelo mesmo espaço até que continuou seu projeto. Dobrou o espaço em três e esticou; colocou o número adequado de luzes em cada dobra e explicou a elas o que fazer. Deu a elas a função de governar o tempo. Metade reinaria no que chamava Dia e a outra metade na Noite.

As luzes da Noite também pariram seu exército para se defender dos filhos da escuridão, que ficavam vagando no seu espaço de nada-alguma coisa pelo tempo imensurável que Ele permaneceu parado observando suas criações.

Sua esposa se achegou a ele, sentindo suas dores tranquilas, e disse suavemente: “ainda governamos o tempo, mas se apresse, precisamos de um lugar para eles”. Ele assentiu e criou dois grandes lugares nas dobras externas, com tudo o que seus filhos precisariam enquanto Ele dormisse. Colocou as mais variadas formas de vida em cada um dos lugares, cada qual com suas particularidades, e deu Leis à todas as coisas.

Um viajante veio de fora. “Vou levar a maioria deles para meus covis, quando chegar a hora”, o viajante requereu para si, como sempre fazia. Ele assentiu. “É sua função”. Sua esposa gritou, um misto de dor e alegria, pois quando o viajante os levava ela poderia vê-los, conhecer seus filhos.

No mundo da dobra do meio, Ele colocou o toque final: uma parte de si que manteria tudo no lugar enquanto Ele dormisse. Ele soprou dentro da caverna que guardava o fosso profundo e virou o rosto, sem querer ver o que se formara lá; após alguns instantes – que, para seus filhos, poderiam ter sido milhares de anos – Ele olhou e viu o Eixo formado, mantendo sua criação coesa no tempo e no espaço e preparado para segurar os bilhões de mundos que se formariam como ecos das escolhas rejeitadas pelos seus filhos. Ele viu o Caos e a Ordem, ainda adormecidos, mas já se alimentando de sua relação simbiótica com o Eixo, tudo para trazer equilíbrio para as escolhas dos homens. Caos e Ordem criariam e inspirariam todo o resto que pudesse ser feito. Ele notou, satisfeito, que estavam bem firmes lá dentro. “Ótimo, assim nenhum deles vai se soltar enquanto eu durmo”.

Sua esposa gritou e um jorro de líquido saiu dela. Em sua imensidão, e diante de tudo o que havia criado, Ele segurou sua mão e viu os pequenos pontos de luz que saíam dela. Bilhões deles ficaram flutuando na escuridão em volta dos mundos, e ali esperariam para descer.

Quatro deles – dois em cada mundo, exceto no mundo da dobra do meio – foram os primeiros, e abririam caminho para todos os outros, cada qual na sua hora, conforme as ordens que Ele dera às luzes que governavam o tempo. Ele sorriu, e viu que o que havia feito era bom.

Saindo dali, adormeceu.

Deschain
Enviado por Deschain em 15/10/2017
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