Cultura da impunidade

CULTURA DA IMPUNIDADE

Miguel Carqueija

O recente, covarde e chocante assassinato da vereadora Marielle Franco sacudiu o país, provocando grande comoção, e repercutiu no exterior. Eu nunca ouvira falar na vereadora — pelo menos, não lembro de ter visto seu nome antes — mas também me abalou o fato. Nós nos sentimos presos num labirinto de violência e crime, impunes.

E não se trata de fato isolado, ou sem precedentes. Tenho nas mãos um exemplar do “Metrojornal” aqui do Rio de Janeiro, com data de 30/9/2016. E vejam esta manchete: “TSE aciona PF para apurar mortes de mais de 20 candidatos.”

O texto começa assim:

“A corrida eleitoral para prefeito e vereador deste ano terminou em pelo menos 20 mortes de candidatos, tragédias ocorridas desde o início da campanha, em agosto, segundo dados do TSE (...) Os casos ocorreram em ao menos 12 estados: Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O mais recente foi em Itumbiara (GO). O candidato a prefeito Zé Rocha (PTB) levou um tiro na cabeça durante uma passeata anteontem e morreu.”

Mas é claro que não se trata só disso. Aqui no Rio a PM está sendo exterminada desde o ano passado, de lá para cá mais de 100 policiais foram assassinados e eu nem sei como é que o governo do Pezão está ajudando (???) as famílias das vítimas. Mulheres grávidas morrem em assaltos e tiroteios, e naturalmente seus bebês também; outro dia salvaram um bebê mas a mãe faleceu. Um menino de cinco anos perdeu o pai num assalto.

O Rio de Janeiro virou uma terra de ninguém, pior que o faroeste ou a Chicago da década de 20. E talvez comparável à Síria atual.

Do meu ponto de vista o Congresso, se prestasse para alguma coisa, deveria estar trabalhando a todo vapor pela reforma do sistema penal. Pois esse é um ponto crucial: digamos que um sujeito seja condenado por crime grave, hediondo, tipo assassinato e estupro, várias vezes praticados. Aí pega 20 anos (e eu já acho pouco); mas pelo sistema de regressão da pena, vai cumprir 5 ou 6 e depois é solto, ainda bem jovem e forte, para matar, assaltar e estuprar mais um pouco, quem sabe até se vingando de quem o acusou. Sabe-se por exemplo que muitos desses monstros, beneficiados pelos nefastos indultos de Dia das Mães e Natal, saem da prisão e não voltam (e eu já soube de soltarem no Dia das Mães até quem já não tinha mãe viva). Além disso, pelos dias trabalhados eles obtém redução progressiva das penas.

Já é difícil prenderem e condenarem, não temos uma tradição de polícia investigativa, científica. Ainda facilitam a saída de criminosos perversos e contumazes.

No fundo, não será nada fácil reverter a situação. Não enquanto as leis e sua aplicação forem lenientes.

Rio de Janeiro, 19 de março de 2018.