Leitura democrática

É inegável aos contemporâneos que o Romantismo marcou o início da democratização do universo escrito, diferentemente de períodos anteriores, em que ler era distinção social e não trazia inclusão, fato que corrobora isso é que no Brasil imperial, por exemplo, a elite era público alvo dos romances produzidos.

Com a ascensão da burguesia, se fazia necessária a existência de veículos de comunicação em massa para que o universo cosmopolita criado fosse atendido pela agilidade dos impressos, o que obteve êxito nos romances de folhetim, inventados para nutrir a sede que esse público tinha de viver o mundo leitor com mais rapidez. Ademais, nos anos posteriores, a leitura transformaria a realidade de um autor que ainda hoje influencia gerações com a profundidade psicológica de seus personagens. Joaquim Maria Machado de Assis ascendia e criava o Realismo brasileiro, com a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que em seu ápice criativo, traz um defunto-autor tecendo suas críticas à hipocrisia corriqueira do contexto em que viveu. A pluralidade escrita é transcendente; cria personalidades, transforma pensamentos, denuncia de forma mais sutil, mas não menos revolucionária, as injustiças cometidas pela coerção das elites.

Outrossim, no que tange o papel de denúncia da arte de tecer, um exemplo de destaque é Graciliano Ramos, que em "Vidas Secas" deu voz ao sertanejo abandonado pelo Brasil oligárquico, de modo que conseguiu trazer, inclusive, a sonoridade na fala dos personagens, com a economia vocabular para retratar um repertório pobre das vítimas da obra, denunciando a falta de oportunidade que os retirantes tinham, em que exploração por quem detinha o mínimo conhecimento era regra.

Na Filosofia de Kant, é possível sintetizar tudo o que foi levantado anteriormente numa única frase: “o homem é aquilo que a educação faz dele”, dessa forma, é relevante que se haja acesso à leitura para que o pensamento crítico floresça e crie um indivíduo capaz de se expressar e interagir com o mundo que o cerca. A produção de conhecimento gerado pelo ato de ler, o deslocamento para mundos desconhecidos através da abstração das palavras, a luz textual que cria a reflexão, a autonomia racional na identificação com a obra e o usufruto digno do livre arbítrio ao poder sentir cada oração no excerto lido, só são possíveis com o acesso ao universo impresso.

Infere-se, desse modo, que para se alcançar todos os potenciais intelectivos que a leitura proporciona, é inevitável o processo de democratização de de forma eficiente. Uma ação que pode ser tomada é a criação de cartazes publicitários disponibilizados pelo Ministério da Educação às escolas da rede pública, com imagens motivadoras ao ato de ler de forma gradual. Não como a atual, que implica no desinteresse precoce dos alunos por coagi-los a iniciar em clássicos de difícil compreensão. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental as obras devem ser infantis, e, aos poucos, com o desenvolvimento intelectual da criança, a complexidade também pode crescer - graduando as obras em níveis de profundidade tanto filosófica, quanto vocabular. Para que o projeto não enfraqueça, é primordial que o incentivo transcenda ao estímulo nas escolas, é preciso que as mídias virtual e televisiva também contribuam na propagação de campanhas conjuntas com o Ministério da Educação pelos esforços na mudança do quadro leitor brasileiro. Com isso, a médio e longo prazo, as consequências esperadas são a redução da polarização social no que concerne ao acesso à informação, e o aumento no significado do termo "cidadania".