PREVIDÊNCIA SOCIAL DO CHILE, DO COBRE À SUCATA

No momento atual em que a discussão de uma ampla reforma da Previdência Social se avizinha, na qual se cogita uma drástica mudança, quanto à idade da aposentadoria, formas do cálculo de benefício e, até mesmo, quanto ao modelo de arrecadação, se "contributivo" e solidário, como é hoje, ou individual e "de capitalização", ou misto, importa investigar os acertos e os erros do sistema chileno, primeiro país do mundo a implantar o sistema capitalizado, ainda na década de 1980.

Em termos econômicos, não seria esdrúxulo afirmar que o Chile, historicamente, é como uma abelha, pois possui apenas um ferrão para se defender, no caso a mineração, mais especificamente a mineração de cobre, maior (quase única) riqueza nacional, nesse aspecto semelhante à Venezuela e o seu petróleo, este o país mais pobre da América do Sul, aquele, atualmente, o mais rico.

Entretanto, o que nos interessa no momento é a reforma previdenciária operada pelo Chile há mais de 30 anos, modificação possível em tempos de ditadura militar, com sistema econômico neoliberal movida e implementada por uma equipe econômica da escola de Chicago, por isso mesmo apelidada de "Chicago boys", formada, apoiada e financiada pelos Estados Unidos da América, em plena guerra fria.

A história revela que o sistema econômico chileno produziu riquezas sim, todavia com o efeito colateral de concentração destas nas mãos de poucos, com um PIB per capta de US$24.600 (2017), todavia, 14,4% dos chilenos vivem em situação de pobreza.

Na década de 1980 aquele país abandonou um modelo parecido com o do Brasil de hoje, no qual os trabalhadores de carteira assinada contribuem para um fundo público comum que garantem a aposentadoria, pensão e auxílio aos cidadãos. No lugar, o Chile colocou em prática algo que só existia em livros teóricos de economia: cada trabalhador faz a própria poupança, que é depositada em uma conta individual, em vez de ir para um fundo coletivo. Enquanto fica guardado, o dinheiro é administrado por empresas privadas, que podem investir no mercado financeiro.

Trinta e cinco anos depois, porém, o país vive uma situação insustentável, segundo a ex-presidente, Michelle Bachelet. O problema: o baixo valor recebido pelos aposentados.

A experiência chilena evidencia os desafios previdenciários ao redor do mundo e alimenta um debate de difícil resposta: qual é o modelo mais justo de Previdência?

Bem, a fim de responder o que seja o mais justo, no caso, vale definir a justiça do sistema como o propósito deste de alcançar os objetivos programáticos do próprio sistema e as políticas públicas inerentes.

No sistema previdenciário brasileiro as contribuições do indivíduo, bem como das demais fontes de custeio, são utilizadas para pagar os benefícios dos aposentados em geral, portanto, aos olhos do trabalhador, a contribuição previdenciária é um tributo e a aposentadoria um direito; ao passo que no sistema de capitalização (Chileno), as contribuições são uma espécie de poupança individual.

Com o desequilíbrio do orçamento da Previdência Social, há duas alternativas: diminuir os benefícios ou aumentar as alíquotas, todavia, em ambos os casos, restará um efeito colateral indesejável, a fuga do sistema pelo crescimento da economia informal e conseqüente diminuição nas receitas.

Todavia, o sistema "de capitalização" puro, sempre poderá ocasionar resultados futuros indesejáveis, como benefícios em valores ínfimos, insegurança, aumento da pobreza e concentração de patrimônio e renda na camada mais rica da sociedade, como ocorre atualmente no Chile.

Entretanto, a Previdência Social é muito mais que mero instrumento concessor de benefício ou crédito, outrossim, trata-se de um seguro social coletivo, contributivo e garantidor contra os riscos sociais adventos da vida (doenças, acidentes, velhice).

Mais ainda, a Previdência social é um instrumento poderoso para reduzir as desigualdades sociais e regionais, erradicar a pobreza e a marginalidade, princípios fundamentais, expressos no art. 3º, III, da Constituição Federal, razão de ser de um Estado Democrático de Direito.

Entendo que as reformas alhures operadas no sistema previdenciário do Chile, em tempos de ditadura, não nos servem de baliza para a reforma que se avizinha em nossa Previdência, seja porque não produziu os efeitos desejados, seja porque lhes faltam o brilho da democracia, seja porque envelheceram com a ferrugem de um sistema injusto e sucateado.

Kleber Versares
Enviado por Kleber Versares em 31/10/2018
Reeditado em 31/10/2018
Código do texto: T6491211
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