SE O MINISTÉRIO PÚBLICO PEDE A ABSOLVIÇÃO DO RÉU, O JUIZ PODE CONDENÁ-LO?

"Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada." (art. 385, do Código de Processo Penal).

Apesar desse dispositivo figurar no Código de Processo Penal pátrio, a resposta é não!

Um não tão sonoro e retumbante quanto o clamor pela democracia, quanto o choro pelas injustiças sociais, quanto a igualdade perante a Lei.

Ocorre que toda lei, para ser válida e produzir efeitos deve ser lida, interpretada, criticada e submetida aos princípios da Constituição Federal, a qual se firmou como um marco da modificação do sistema processual adotado no Brasil, para buscar estabelecer o Estado Democrático de Direito.

Não se ouvida de que vivemos momentos de desordem política extrema e de corrupção pública que transtornam o equilíbrio social e a fé nas instituições de forma tão generalizada que até a própria Constituição tem sido ora agredida, ora usada como razão para justificar atos escusos, ora mal interpretada, até mesmo pelo STF, tido como seu guardião e intérprete máximo da sua vontade.

Todavia, o que pode proteger o cidadão, em tempos de profunda crise de agonia moral e jurídica, não é a judicialização das vontades, tampouco a militarização das liberdades, menos ainda o totalitarismo e o autoritarismo, seja de esquerda ou direita.

Outrossim, devemos vigiar e clamar para que as instituições políticas e jurídicas funcionem na exata medida dos preceitos estabelecidos pela própria Constituição; Judiciário deve julgar, Ministério Público deve atuar como fiscal da Lei, acusando, fiscalizando, denunciando e zelando pela justiça, inclusive, fazendo valer a prerrogativa de pedir (exigir) a absolvição de um acusado quando entender que não lhe cabe o pedido de condenação.

Nesse passo, continua a ressonar a sentença de Voltaire: "mais vale arriscar-me a salvar um culpado do que a condenar um inocente!"

Assim, o sistema jurídico possui balizas, regras, diretrizes e preceitos que vinculam o juiz e os demais membros do processo judicial.

Caso estes preceitos sejam abolidos ou desprezados, estaremos diante de um tribunal inquisitório, parcial, injusto e antidemocrático.

Quando o Ministério Público vêm a juízo e pede a absolvição do réu, equivale na prática a não haver denúncia, não haver acusação; de tal forma que, caso o juiz ainda assim decrete a condenação, equivale a uma condenação de ofício, ferindo o princípio da imparcialidade e alterando o próprio sistema processual que passaria a ser inquisitório e não contraditório.

Além disso, viola o princípio da inércia da jurisdição, pois o próprio juiz torna-se parte acusatória e resolve agir de ofício, expressão pura de autoritarismo e totalitarismo.

A luta pela democracia finca raízes na Revolução Francesa, de modo que, nenhum ser humano, independente da posição que ocupe na sociedade ou do poder que eventualmente detenha, possa arvorar-se de fazer valer a sua vontade íntima como soberana. Soberano é o Estado, e este, sustenta-se nas instituições democráticas estatuídas pelo povo (art. 1, §, da Constituição Federal): Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Desse modo, ao decidir, o juiz, pela condenação do réu, quando o Ministério Público, - respaldado nas provas produzidas em juízo e contraditadas pela defesa -, pede absolvição, comete arbitrariedade, tornando-se parcial e ditatorial, afastando-se dos estreitos ditames da justiça.

Kleber Versares
Enviado por Kleber Versares em 13/11/2018
Reeditado em 14/11/2018
Código do texto: T6501982
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