Cultura do cancelamento, o que está certo e o que está errado...

...e um cancelamento de minha parte: meu "muso" do cinema, Ingmar Bergman

O que é e como cancelar??

Cancelar é o ato de punir, de alguma maneira, uma pessoa e/ou um grupo (geralmente conhecidos) por condutas avaliadas como reprováveis. As medidas mais comuns além da exposição pública negativa são: desincentivo de apreciação ao(s) trabalho(s) do "cancelado", o próprio "cancelamento", só que mais literal, e/ou marcação da pessoa a partir de suas condutas reprováveis (ou supostamente) que cometeu/está cometendo. Ou paramos de ver o filme do diretor que foi acusado por N atrizes de abuso sexual ou ao menos não mais nos esquecemos o que ele já fez de "muito errado', e marcá-lo pra sempre por isso com consequências, por exemplo, quanto à maneira com que nos referimos ao dito cujo.

Como para qualquer abordagem intelectual que pretende ser precisa ao esclarecimento filosófico, é necessário nos atermos aos fatos e à ponderação antes de partirmos para uma ação mais forte que, nesta situação, pode resultar em massiva exposição pública e potencial cometimento de injustiças com "o tiro saindo pela culatra". Aliás, antes de tudo, também precisamos estar sempre nos avaliando moralmente, afinal, é hipocrisia acusar o outro se não tivermos o mesmo rigor para nós mesmos.

O problema de sempre é quando se age irracionalmente, sem ponderação, justiça e atenção aos detalhes dos fatos. Pois muitos "cancelamentos" têm sido baseados justamente pela falta dessas qualidades, a partir de impulsos de momento de um ou mais indivíduos, que "viralizam" nas redes sociais, tomam uma proporção "bola de neve" e fogem do controle, isso quando já não estão equivocados logo na primeira faísca. Então, o que era para ser o estabelecimento de um diálogo coletivo com clara proposta de se chegar à uma conclusão razoável, se transforma em um "caça às bruxas", mesmo quando não há razão para uma maior contundência no teor da crítica como parece ter sido ou ainda estar sendo o caso da JK Rowling em seu comentário relativo à tentativa de desuso da palavra "mulher" por alguns ativistas supostamente para não ferir a sensibilidade de mulheres trans.

Agora um cancelamento de minha parte

De "muso" para algo bem menor...

Sou, à revelia, fã do diretor sueco Ingmar Bergman, já falecido. Digo, à revelia, porque isso é um diminutivo para fanático, ainda que minha apreciação seja especialmente sobre o seu trabalho e não sobre a sua pessoa. Pois mesmo neste caso, minha decepção para com ele também se baseia em algo que une o pessoal ao profissional, porque,dos tantos filmes que já vi desse diretor, alguns que são obras primas indiscutíveis, em dois deles, "animais não-humanos" também "atuam" mas, de uma maneira, digamos, desnecessária, para não dizer o mínimo. Em sua obra histórica sobre a ascensão do espectro nazista na Alemanha de Weimar, por exemplo, uma cena impactante mostra o corpo de um cavalo sendo devorado por famintos nas ruas frias de Berlim. Até então, não havia tido a "curiosidade" de saber se foi figuração ou se realmente colocou o corpo de um animal verdadeiro pra/aquela cena parecer mais realista. Bem, aí eu fui à wikipedia de David Carradine, em inglês, ator que fez um dos protagonistas deste filme que se chama O Ovo da Serpente, e fico sabendo que ele chegou a discutir seriamente com Ingmar ao descobrir que se tratava, de fato, de um cavalo que foi assassinado "para" o filme. Por esse trecho:

''Bergman disse sobre seu protagonista: "Eu não acredito em Deus, mas o céu deve tê-lo enviado." [5] Carradine disse que ele e Bergman tinham planos para uma nova colaboração, mas a afeição do diretor pelo ator diminuiu quando este último protestou apaixonadamente contra uma cena que incluía o massacre de um cavalo. A altercação fez Carradine questionar o destino da alma de Bergman enquanto o diretor declarava: "Irmãozinho, sou uma velha puta. Matei dois outros cavalos, queimei um e estrangulei um cachorro.''

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/David_Carradine#Film_stardom

"Getting It Together". Windeler, Robert; People, March 21, 1977, Vol. 7 No. 11Carradine, David (1995). Endless Highway. Journey.

Em outro filme ''A Paixão de Ana'', também tem cenas chocantes de animais não-humanos sendo queimados e de corpos espalhados pelo chão... ou os estúdios suecos da época já tinham tecnologia de ponta para fazer efeitos especiais muito realistas ou, de fato, nosso "fantástico gênio" do cinema de teor filosófico/existencialista, partindo da lógica extremamente idiota "TUDO pela arte", não pensou duas vezes em assassinar vidas verdadeiras para que algumas cenas parecessem mais "realistas" em seus filmes.

Encontrei mais informações em novas fontes como esta embaixo que praticamente condenam o suposto humanista Bergman... sem falar de outros artistas.

https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1987-01-11-me-4007-story.html

Faz algum sentido exterminar uma vida senciente, indefesa e inocente, por razões absurdamente frívolas, para contar a história da ascensão da personificação do mal que foi o nazismo???