Lembra-te apenas que aquilo que tomas por adquirido te pode ser retirado sem que sequer dês por isso. Imagina apenas que aquele ser humano a quem te esforças por não dedicar a mesma atenção poderá não estar lá de novo quando mais precisares e o teu feitio de merda o negar. Chamo por ti apenas porque te vejo ofegante como se o teu coração palpitasse demais para o tamanho do teu peito. Sim o mundo começa e acaba vezes sem fim até um dia.

Na noite em silêncio, procura esquecer essa vontade indómita de mudar o mundo, pensa antes nela, na capacidade de te reinventares para que tornes o teu presente um pouco mais arejado, mesmo que estejas na Avenida da Liberdade em hora de ponta com a estátua do Marquês cinzenta, como os donos dos carros que a circundam sem parar.

Sei bem dessa tua incapacidade de viver um momento com alegria, mera satisfação por um pouco de oxigénio, tão certo estás que ele nunca te vai faltar. Um pouco como estas relações descontraídas, de tal forma que pões os cornos (ou és o cornudo) e pensas que tudo pode seguir igual como nos romances cujas nuances não passam de mera ilusão. Não meu caro, esses actos têm consequências por mais saborosa que seja a relação sexual e até te digo, que se lixe o pecado se te souber bem, apenas aprende a respirar do ar que se entranhar no mais profundo do teu ser. Puxa de um cigarro, talvez até te fizesse bem fumar um charro e dançar, mesmo com esses pés de chumbo que te apoquentam a vontade das más figuras. Sê adúltero, mas assume com a consciência devida que até poderás morrer antes do tempo que julgarias previsto mesmo sem o saberes.

Apenas me lembrei de ti ao passar aqui, nesta Avenida, onde as partículas de monóxido de carbono se aproximam do nível letal e como sabes nem o sentirias se fosse mortal. E como és um afogueado cheio de pressa sem tempo para viver lembrei-me que gostaria de te ver carregado de cabelos brancos, rugas acentuadas e algumas peripécias de uma vida longa de lágrimas e ainda mais sorrisos. Por isso lembra-te daquela viagem ao topo do mundo onde o oxigénio rareia, para que, ao desceres, te recordes da importância de saber respirar.

Atenas, Grécia, 27/12/2008 2h30m.
Manuel Marques
Enviado por Manuel Marques em 19/10/2020
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