Problematizando o conceito de crime hediondo

Um empregado mata o "patrão". Ele é preso por homicídio doloso, julgado e condenado a 30 anos de prisão. Mas e o contexto? O que o levou ao cometimento desse crime? Como era a relação dele com o "patrão"? Como era o "patrão"??

Bem, o "patrão" era muito abusivo, já tinha um histórico de abusos cometidos contra outros empregados. Não era exatamente uma boa pessoa. Era egoísta, ganancioso, do tipo que só pensa em dinheiro.

A relação deles começou normal e foi se deteriorando de acordo com que o empregado foi percebendo o nível de sociopatia do "patrão" para com ele.

Não havia nada em particular que tivesse acontecido antes do crime e que servisse de motivo. O empregado decidiu matá-lo porque a frequência de abusos só aumentava e havia notado que, de maneira geral, ele não prestava. Foi premeditado, intencional, mas não dá para dizer, cá entre nós, que não havia nenhuma razão.

É mais complexo do que aparenta. Ele, talvez, tenha que pagar pelo seu crime. Mas também temos que pensar nele. Quem ele é? Se tem histórico de crimes...

Não, ele não tem ficha criminal. Sempre foi trabalhador, honrado e querido pelos amigos.

Então, a pergunta mais importante: será que ele realmente cometeu um crime hediondo??

Será que foi absolutamente fútil a justificativa para, de maneira definitiva, por um fim no ciclo de destruição daquele monstro?? Já que, sem isso, nada o impediria de continuar??

"Nosso" sistema de justiça parece estar dedicado a proteger mais os "patrões" do que os "empregados", afinal, qualquer tipo de abuso, independente da posição social do autor, já deveria ser enquadrado como crime. Mas não é incomum que empregados, ao denunciarem os seus "patrões" por abusos, percam a causa. A maioria sequer tenta porque o mundo não é deles, apesar de sustentá-lo com o seu suor.

Crime hediondo não deveria partir apenas da natureza ou do grau de barbárie do ato que se comete, mas também do contexto e dos elementos envolvidos. O ideal seria que qualquer abuso de "patrões" com empregados, e também o oposto, fosse punido com rigor proporcional ao seu nível de severidade, assim como qualquer tipo de abuso dentro de qualquer contexto, inclusive o profissional. Mas, em casos como esse, hipotético, não dá para dizer que foi um típico crime hediondo, justamente por causa do contexto e dos elementos envolvidos. Porque o mundo em que vivemos é tão equivocado, e por tanto tempo, que não sei se esse empregado realmente merecia uma punição severa ou se deveria receber uma congratulação por ter livrado a humanidade de um verme, pelo menos.

Volto àquela questão: matar um parasita ou um predador psicopata, que já cometeu muitos atos de crueldade, mas sem ter tido uma razão específica para matá-lo, é crime hediondo???

Claro que, numa sociedade ideal, a "justiça com as próprias mãos" seria sempre combatida, até para que não se transforme em uma "terra sem lei". Mas, se vivemos dentro de um sistema intrinsecamente abusivo, baseado na "lei do mais forte" ...

(Não estou incentivando matar "patrões", pelo menos não agora, rs, já que, como vivemos em sociedades onde prevalece a lei do "mais forte" e, por enquanto, somos o lado mais fraco... cair fora do emprego seria, a priori, um passo potencialmente razoável em casos como o do exemplo).