O DESCASO COM O JUMENTO

Eu peço ajuda a Jesus

Para aqui, neste momento,

Dizer ao povo a verdade,

Pelo meu depoimento.

O assunto é muito sério:

Eu vou falar sem mistério,

Do descaso com jumento!

De antes, no meu sertão,

Do Nordeste brasileiro,

O nosso animal jumento

Era parte do roteiro:

Por aí, sempre em viagem,

Transportador de bagagem

Sob o mando de um tropeiro.

Na era contemporânea,

O pobre do animal.

Sobrevive, esquecido,

Em nossa zona rural.

Inclusive, até o roceiro,

Que o explorou por inteiro,

O expulsou do quintal.

E mesmo jogado às traças,

Ao dever não se negou.

E, muito pelo contrário,

A carga sempre levou.

Hoje vive no abandono

Até pelo seu próprio dono,

A quem tanto ele ajudou.

Na sombra de um juazeiro

Ou largado ali, no oitão,

Sofrendo, vive o jumento

Por todo o nosso sertão:

Sem rédeas e sem destino,

No Agreste Nordestino,

Mendigando uma ração.

Com o avanço do progresso,

O caipira se mudou.

Foi-se embora pra cidade,

E uma moto comprou.

Então o velho jumento,

Que lhe forneceu sustento,

Friamente dispensou.

Hoje em dia é muito raro

Ver jerico num roçado.

Há tempos que o camponês,

Já está motorizado.

E o pobre do jumento,

Caindo no esquecimento,

Hoje é coisa do passado.

E o mísero do jumento

Não tem mais a referência.

Já perdeu sua patente,

Sua história e competência.

E num beco sem saída,

Este infeliz leva a vida

Buscando a sobrevivência.

E, fora do seu rebanho,

Abatido e solitário,

Desiludido da vida.

Sem serviço e sem salário,

Nas veredas do sertão,

Vagando feito assombração,

Como um ser mais ordinário!

Debaixo de sujeição,

Todo dia trabalhava,

Obedecendo, humilde,

À voz que lhe comandava.

Aqui, acolá, um tombo,

Com carga pesada ao lombo,

Vereda afora, ele andava.

E nunca teve direito

A um honrado salário.

Foi menos que um escravo

Do Senhor Proprietário.

Sendo, assim, muito explorado,

Sofrendo sempre calado,

No seu triste: itinerário!

Antes da tecnologia

Abeirar-se do sertão,

Nosso jumento era um rei,

Tinha total proteção.

Além disso, bem tratado,

Era ele muito amado,

Jumentinho, nosso irmão!

Se ele não existisse,

Eu fico me perguntando:

Quem seria agricultor,

Sem um “jeguinho” ajudando?

Quem puxaria o arado?

Quem levaria o pesado,

Com a idade chegando?

Meu caro amigo leitor,

Que imensa ingratidão

Fizeram com o jumentinho,

Conforme diz a canção

Que até hoje é consagrada,

Nos quatro cantos, cantada.

Por nosso Rei do Baião!

Até mesmo Jesus Cristo

Do jerico se valeu.

A Bíblia conta a história

Desse fato que se deu:

Em Jerusalém, montado,

O Mestre foi aclamado

E o povo Lhe recebeu!

Esse pobre animal

Que conduziu Cristo um dia,

Hoje em dia é rejeitado,

Não tendo mais serventia.

A figura nacional

Só por ser irracional

Sofre muito, mas não chia!

Meu caro amigo jumento,

Primeiro foi bicicleta.

Tudo bem, nada de novo,

Para um renomado atleta.

Porém, pra sua surpresa,

Seu dono, na realeza,

Compra uma motocicleta.

Digo-lhe meu jumentinho,

Foi o sertão que mudou.

Com a vinda do progresso,

O que era certo acabou.

Lá no pasto, ou no roçado,

Seu trabalho é dispensado,

Porque seu tempo passou.

Liguei o televisor,

Deu-me pena de lhe ver:

Num canto, bem afastado,

Ruminando o seu sofrer,

Bem cabisbaixo, tristonho,

Num desprezo tão medonho,

Sem vontade de viver.

Eu, comigo, retruquei:

Tamanha judiação!

Olha o coitado do jegue,

Na maior humilhação,

Quão um pobre peregrino,

Vagando, assim, sem destino,

Mendigando água e pão.

Pau no lombo e na cabeça,

E fogo no rabo, até!

Sem ferradura, o coitado

Já manca de mão e pé.

Não se esqueça, companheiro,

Que ele já foi passageiro,

La na Arca de Noé!

Logo você que já foi

O Transporte do sertão,

Atualmente jogado

Num recanto de um oitão!

Oh, meu caro agricultor,

Só por causa de um motor,

Desprezaste o seu Sansão?

O seu arreio e cangalha

Já são coisas do passado.

O seu dono, atualmente,

Já está muito mudado:

É movido a gasolina,

Curte só a adrenalina,

Andando motorizado!

É uma grande desfeita

O que fizeram contigo!

Por outra: vou mais além,

Não mereces o castigo!

O seu dono enriqueceu,

De você já se esqueceu,

E hoje é seu inimigo.

Eu não sou contra o progresso,

Também não vejo motivo

Pra rejeitar o jumento,

Que viveu sempre cativo,

Obedecendo ao seu dono,

Que, malvado, do seu trono,

Não lhe dava lenitivo!

Esse jerico merece

Nosso amor, nosso respeito!

É, também, filho de Deus,

Tendo, assim, todo direito

De ter aqui seu espaço,

E, desse solo, um pedaço,

Para servi-lo de leito.

Bem antes de aparecer

A dita motocicleta,

O jumento, necessário,

Sabia cumprir a meta.

Porém, no tempo atual,

A moto, internacional,

Pois é quem tudo coleta.

Sendo assim o coitadinho

Das tarefas fica fora.

Não pertence à fazenda,

Nem na cidade ele mora.

Para o lugar do coitado,

Tem motor envenenado,

Que não precisa de espora.

E como a ciência muda

O destino de uma vida! ...

Antigamente o jumento

Era figura querida.

Mas hoje não, Seu Doutor,

Com a invenção do motor,

A criatura é esquecida.

Hoje, que o mundo inteiro

Tá quase todo asfaltado,

O jumentinho inocente

Fica mais ameaçado:

Sem casa, sem proteção,

Debaixo de um caminhão,

Ele morre atropelado!

Fica, então, triste memória

Nos caminhos, nas estradas.

Ali, acolá, encontram

Restos de suas ossadas.

E, no solo nordestino,

Pelo golpe do destino,

Suas marcas são fincadas.

Meu caro amigo jumento,

É pena que, hoje, ninguém

Sabe mais reconhecer

O valor que você tem.

Eu só sei que o certo é:

Só Jesus de Nazaré

Sabe de onde você vem!

Você que trabalhou tanto,

Mas de nada usufruía!

Que, tantas vezes, cansado,

Pelo caminho caía,

Com a cangalha no lombo,

Sofrendo tombo após tombo,

Calado, a rota seguia.

Na narrativa da Bíblia,

Você está registrado:

Seu nome sempre será

Eternamente lembrado!

Sendo humilde e fraternal,

Foi o único animal

Que Jesus andou montado.

Mas há grandes matadouros,

Clandestinos, com certeza,

Comprando e matando jegue,

Por ganância e avareza!

E quem tanto trabalhou,

Hoje em dia já virou,

O churrasco da Nobreza!

Dizem que a carne é boa

Que é macia e coisa e tal.

Mas foi trabalho e pancada,

E o tratamento brutal,

Que essa carne amaciou

E o estrangeiro comprou

Nosso “Filé Nacional”.

Registro aqui o meu apelo

Ao cidadão brasileiro,

Do fazendeiro mais rico,

Ao mais humilde roceiro:

Adote um jegue, ou verá

O bicho virar jabá,

Em território estrangeiro.

Comentei nesse refrão,

Historicamente, o caso.

Indago aqui, aos leitores,

Como veem os senhores

O tema desse descaso?

Meu verso tem seu valor,

Em poesia e sentimento.

No entanto, quem vale mais,

De nós todos, é o jumento!

E quem maltrata o bichinho...

Se lasque, que eu não lamento!!!

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 01/12/2018
Código do texto: T6516451
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