A saga de Adão (saído da oficina com alguns reparos)

No princípio era nada,
quiçá um pé de maçã.
Até que certa manhã,
como num conto de fada,
a cobra que foi criada
pra servir à tentação,
entre as pernas de Adão,
botou a língua de fora
e em menos de meia hora
fez grande revolução:

Acendeu o lampião
das noites do paraíso,
tocou a língua no guizo
fez elogio pro cão.
E de lá, até então,
como narra a escritura,
o molejo da cintura
deu à luz ao rebolado,
que dá vazão ao pecado
quando a fruta tá madura.

Adão saiu à procura
dum novo lugar ao sol,
com a vara sem anzol,
um naco de rapadura,
o toucinho da gordura
extraído da serpente,
um tonel de aguardente,
um cigarrinho de palha,
um matolão para a tralha
e Eva marchando à frente.

Como o dia estava quente
e não tinham guarda-sol,
andavam em caracol
(à exemplo da serpente),
quando mais que de repente,
lá das entranhas do céu,
uma folha de papel
caiu defronte ao cortejo
e Adão sentiu o desejo
de escrever um cordel.

E rabiscou no papel
em redondilha maior,
indo de mal a pior,
(por ser novo menestrel),
quando assuntou um tropel
e descobriu, por acaso,
que entre o fim do ocaso
e o brilho da lua nova
dividiria uma cova,
com um bardo do parnaso.

E pra não perder o prazo,
logo depois do natal,
se alistou no carnaval,
ainda soldado raso.
Fez xixi fora do vaso,
desde a coxa ao calcanhar,
sentou à beira do mar,
bebeu da água salgada...
e acordou de madrugada
chamando o sol de luar.

Hoje vai, de bar em bar,
junto à turma do funil,
a cantar amor febril,
por todo e qualquer lugar.
E segue assim, devagar,
a escrever, quem diria:
a autobiografia,
desde a sua criação.
Corrigidos, pelo cão,
os erros de ortografia.
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 11/02/2018
Reeditado em 19/04/2021
Código do texto: T6250976
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