CORDEL DA LUA DE SANGUE E DO SOL ENCANTADO / Segunda Parte: PROSÉLITOS

CORDEL DA LUA DE SANGUE E DO SOL ENCARNADO

Segunda Parte: PROSÉLITOS

Contudo, por toda parte

E com toda a espécie d'arte

S'elevaram muitas vozes

De líderes religiosos,

Que com libelos ferozes

Arvoraram-se os algozes

Dos erros pecaminosos.

Como se o braço de Deus,

Espevitavam os seus

Com ardor contra os demais,

Porquanto o mal manifesto...

Corrompida a Humanidade,

Eram eles, na verdade,

Dos homens santos um resto.

Arrastavam multidões

Em extensas pregações

A relembrar profecias

D'esses eventos finais.

Afirmando em gritarias

Ser aquele o fim dos dias

Face aos bíblicos sinais.

Havia, de facto, a imagem

-- No livro de Joel passagem

Dos oráculos do Senhor --

Contando a sua visão:

Onde um sol já sem ardor

Cede no céu seu fulgor

À mais plena escuridão

No lugar, tão-só a lua

Sem estrelas continua

A reluzir, contudo,

Plena e sanguínea no céu.

Indicando o fim de tudo,

Onde crentes sobretudo

Veem a desdita do infiel!...

Como Joel descreveu,

A lua em seu apogeu

Fez-se sanguínea também

E os céus não mais deixaria.

Somente um resto, porém

Reunido em Jerusalém

Com fé sobreviveria.

Os mais, perdidos nas trevas,

Co'as suas paixões malevas

Vendo os crentes verdadeiros

Livres de tão triste sorte

Onde desastres inteiros

E, ao fim, quatro cavaleiros:

Peste, guerra, fome e morte.

Após a última trombeta,

A cristandade completa

Veria o instante esperado

Só então, o crente fiel

Com Jesus ressuscitado

É também arrebatado

A ir ter com Deus no céu.

Aos que ficam -- diziam eles --

Resta a mesma a vida reles:

O mundo e sua injustiça

Permanece sem final.

Pois, onde o pecado viça

Na luxúria e na preguiça

Continua tudo igual!

A leituras desonestas

E tão obtusas quanto estas

É difícil contrapor,

Enfim o que quer que seja.

Se, para meu estupor,

Confundir mediante o horror

No fundo é o que deseja.

-- "Tendo fé como argumento,

A verdade é treinamento!" --

Eis como com inconstância

Um intolerante ensina

A sua própria intolerância

Àqueles que com grande ânsia

O veem igual lamparina...

Qualquer frase repetida

-- quer banal ou esclarecida --

Dogma virava em seus lábios.

Clamando em nome de Deus

Contra islamitas arábios,

Cientistas, artistas, sábios

E seculares ateus.

Tenho claro que tais falas

Ecoando por amplas salas

Tocam muitos corações.

Porém, são sobre política

E não sobre religiões...

A estes extensos sermões

Sempre falta autocrítica!

Mas as mensagens pastoras,

-- Autolegitimadoras!... --

Têm em comum entre si

O senso de que a Verdade

É a mesma aqui e ali,

A reluzir igual rubi

Para toda a Humanidade.

Em discussões cheias de nada

Tão-somente confirmada

A doutrina em seus enigmas

Deve ser por seus doutores...

Onde dogmas e querigmas,

De Jesus veem os estigmas

Ao celebrar-lhe louvores.

Assim, condenam o mundo

E o descrevem moribundo

À espera de seu final.

Em tudo vendo prodígios,

Já creem do bem contra o mal

A lua em sangue um sinal

Após guerras e litígios.