Preces e Orgasmos dos desvalidos - Dôra Limeira
Amigos :
A contista paraíbana Dôra Limeira me deu a difícil incumbência de prefaciar seu segundo livro.
Editado sob o patrocínio da Prefeitura Municipal de João Pessoa,o livro Preces e Orgasmos dos Desvalidos, chega ao mercado no mês de abril 2005.
Para vocês reservei a apresentação do prefácio que vasculha a obra e dá os tons da música desesperada dos personagens.
Com vocês a nova obra de Dôra Limeira :
Sobre o livro Preces e Orgasmos dos desvalidos
A surda acústica dos desesperados
Dôra Limeira é uma escritora nordestina. Precisamente, uma contista paraibana, nascida em um dia 21 de abril de um ano qualquer do século XX, em João Pessoa.Assim, ela se auto-retrata em seu site na INTERNET.
Já não é mais debutante em Literatura. Seu livro de estréia, “Arquitetura de um Abandono”, veio ao mundo em 2003 e , logo, arrebatou o prêmio de “Revelação Literária 2003”, concedido, pelo jornal A União, da capital paraibana.
Dôra leva para seus contos , como um copyright, a marca de sua vida privada.Por vezes, ficção e realidade se misturam. A formação em colégio religioso, sua militância política e sindical, seu gosto musical bem brasileiro são os alicerces para a “arquitetura” de sua prosa.
Isto fica perceptível em sua nova obra “Preces e orgasmos dos desvalidos”. Como numa peça teatral, outra das ocupações culturais da autora, o livro se desenvolve em três atos.
Eles se dão em cenários diversos.Ora coletivos, numa temática explicitamente política e antropológica, como na primeira parte : Lágrimas.
Adquirem, já na segunda seção, que atende pelo nome de Vísceras, o caráter de drama de costumes e inventário minucioso das inquietações femininas.Transbordam aí, o erotismo constrangido pela moral religiosa e a força de superação da própria feminilidade.
Encerra o livro, uma seleta de transposições de letras musicais do cancioneiro nacional para a atmosfera da crônica. Nela, letristas populares são revisitados pela ótica “limeiriana”, mostrando que as artes são irmãs e que interagem entre si.
Perpassa toda a obra, o imenso carinho de Dôra por suas personagens.O convívio com a facção dos não-incluídos socialmente. Elas surgem nos seres anônimos, periféricos ao conforto das grandes cidades.Em meio a festas populares e religiosas. No rosto e no corpo das mulheres reprimidas que ousam romper as amarras culturais e de seus corpos. Nas cenas de paixão e solidão das canções brasileiras.
Estas criaturas têm odores, secreções, feridas. Expõem-se ao meio social e a sua face crítica e hipócrita. Podem ser como a pobre menina Magnólia, do conto “Eu estava lá”, pobre, suja e doente. Aparecem como a senhora do conto Cecília, Cecília, que ingenuamente publica uma corrente em jornal local, recebendo como retorno objetos religiosos e pacotes de cocaína por Sedex. São seres dotados de carne, dúvida e desejo.
A dicotomia profano/sagrado é outra das marcas consagradas de Dôra. Seus afilhados literários interagem com pulsões intensas em meio a climas carregados de sacralidade. Em Lucianila de Deus, a moça enfrenta uma procissão religiosa, coincidente ao seu período menstrual. A autora narra os incômodos que a garota sente, o olhar libidinoso de um admirador .O corte abrupto, ao final,narra o suicídio de uma freira. Desnecessário, comentar...
Os asfixiantes Anos de Chumbo também estão registrados nesta obra. Transitando pelos contos : “A mulher, os meninos e a ditadura militar” e “Adeus, anos sessenta”, Dôra, como um guia, nos faz revivenciar este período, tal a precisão de sua narrativa e a riqueza das reminiscências históricas. O relato é oportuno, neste ano em que a “Revolução de Abril”, na versão oficial, completa 40 anos.
O roteiro em três atos se encerra com a releitura que Dôra faz de sucessos populares, sob um prisma literário.Ali artistas como Oswaldo Montenegro, Roberto Carlos e Francis Hime, tem suas canções redimensionadas pela imaginação da autora. As crônicas ganham uma dramaticidade peculiar, intensa.
Encerrando, afirmo, que esta coletânea de contos e crônicas não é adequada para quem deseja vislumbrar o mundo sob a névoa rósea da ilusão. É uma obra comprometida com a realidade. Inquieta, excita, faz verter lágrimas. Quem percorrê-la, visitar seus meandros, interagir com suas criaturas,voltará fortalecido. Parafraseando o grande poeta Thiago de Melo,diria : Faz escuro, mas Dôra canta.
E a sua canção , povoada com as vozes dos menos aquinhoados, pode atingir aos ouvidos moucos dos que teimam em nada fazer, em colecionar honrarias e privilégios.
Que a Oração e os orgasmos dos desvalidos sejam ouvidos pelo Brasil! Amém!
Ricardo Mainieri é publicitário e poeta. Publicou em 1990 o livro de poesias “A Travessia dos Espelhos”, em Porto Alegre, RS.