O Príncipe Maldito, Mary Del Priore 2008

No Brasil da segunda metade do século XIX, um jovem é educado para ser rei.

Herdeiro de uma estirpe de príncipes europeus de fama e importância capital, Dom Pedro Augusto de Saxe e Coburgo perdeu a mãe – Dona Leopoldina, irmã da Princesa Isabel – muito cedo, sendo trazido ao Brasil para ser educado como brasileiro, sob a guarda dos tios (o Conde D'Eu e sua citada esposa) e dos avós (D. Pedro II e Dona Teresa Cristina), na Corte do Rio de Janeiro.

Alguns anos depois, no entanto, nasce o tão aguardado primogênito de Isabel, chamado o “Mão Seca” por conta de um traumatismo do parto.

Pedro Augusto não seria mais rei.

Pena que faltou contar isto a ele, Príncipe Pedro Augusto. Abandonado pelos tios, que tinham agora novo brinquedo, este apegou-se mais e mais ao avô, que supostamente estimulava suas pretensões, ou pelo menos não as destruía, talvez por compaixão pelas fragilidades do neto, talvez por suas qualidades.

Em tournée pela Europa, então, titulado engenheiro, mineralogista diletante, fluente em línguas, DPA encantou a todos nas cortes que visitou, vendo sua fama saltar das páginas da sociedade. nos jornais, para as páginas políticas. Enxergavam nele um digno sucessor de Dom Pedro II, ele próprio bastante conhecido nos meios intelectuais do Velho Continente.

Ideia que ressoava também no Brasil, onde o fervor religioso de Isabel, aliado à rabugice interesseira do marido francês, tornava o casal uma péssima opção sucessória para a Monarquia brasileira. Que DPA não fosse o herdeiro direto ao Trono pouco importava, dado o apoio que recebia de conservadores e maçons, republicanos e militares.

Reza a lenda que a tia aboliria a escravatura de chofre com o intuito maior de demonstrar ao sobrinho, então novamente no exterior, o quanto ela também poderia ser amada pelo povo. Só não contava com a retirada do apoio dos fazendeiros à Monarquia, nem com a quebra da safra – que apodrecia no solo, esperando quem a colhesse, no colapso das instituições financeiras nacionais, no esgarçar do tecido social que desembocava na própria derrocada da lei e da ordem pública.

E este é o ambiente que encontram avô e neto quando retornam da Europa – de onde já nem se esperava mais que o monarca voltasse vivo – e são recebidos com festa e aclamação popular, fato que esticou um pouco a sobrevida do regime.

Manejado pelo amigo e confidente, o barão de Estrela, DPA embarca de vez em teorias conspiratórias e golpistas, nas quais reserva para si os papéis de Imperador e Primeiro-Presidente da República do Brasil, líder único possível, capaz de realizar uma transição democrática a la Luís Napoleão de França.

Ledo engano. A Revolução colhe a todos de surpresa: um general cansado de guerra (Deodoro), outro traidor por natureza (Floriano), insufladores inconsequentes (Bocayuva e Silva Jardim), idiotas pusilânimes (Ouro Preto), um pŕincipe desnecessário que se cria essencial (Pedro Augusto). Sem contar a princesa incapaz de trocar fanatismo religioso por pragmatismo de governo, o um imperador incapaz de decidir entre a casca grossa da filha inadequada ou a incipiente – mas já visível aos mais próximos – doença mental do neto. Preferiu entregar a Coroa, depois da noite (15/11) de impropérios trocados entre a filha, o neto e o genro, a primeira após o golpe. Preferiu o silêncio da dor surda à possibilidade de um combate que ele – DP II – não sabia se quereria lutar.

Salta aos olhos, da obra de Mary Del Priore (“O Príncipe Maldito”), a qualidade da pesquisa histórica, o olhar - despretencioso e caloroso a um só tempo – voltado para esta personagem injustamente esquecida (melhor não, apagada) dos anais da História do Brasil, o “timing” da literatura, que torna a obra de leitura saborosíssima, e a possibilidade de aventar um outro Brasil, repensado a partir de estudos históricos mais criteriosos que politicamente engajados.

Salta aos olhos, por exemplo, dos fatos ali expostos, a perenidade desta verdadeira mania nacional de criticar sem saber fazer, de fofocar sobre o que não conhece de perto, de confundir política com interesse pessoal, de administrar a coisa pública com desfaçatez. De maneira mais sutil, a oba de Del Priore faz pelo Segundo Reinado o que o filme de Carla Camuratti (“Carlota Joaquina”, Brasil, 1995) fez pelo Primeiro. O DP II de Del Priore, a parte suas contribuições inalienáveis ao desenvolvimento da província, é permissivo e alienado, como se o Brasil pudesse ser (tão mal) administrado quanto suas fazendas e terras.

Vivendo como um dândi enquanto sua conta bancária o permitiu, dilacerado pelas perdas sucessivas da avó, do avô e do Trono (não necessariamente nesta ordem), passado para trás pelo Conde D'Eu (que impediria a Pedro e ao irmão terem acesso a seus dotes imperiais por longo tempo), DPA não seria páreo para Charcot, Freud ou Breuer – luminares que tentaram ajudá-lo, sem sucesso, no combate à psicose maníaco-depressiva que o afetou de maneira progressiva e irrecuperável.

Quando o irmão mais novo assistiu à mais um golpe de estado brasileiro de dentro de um navio atracado em Salvador, de onde foi mandado célere de volta a Europa, Pedro Augusto comentou que o havia prevenido sobre “aquela gente”: “Vão usá-lo e depois dispor de você como um saco de batatas, inútil”.

Morreu louco, após passar boa parte dos 66 anos de vida (viveu mais que o avô!) de sanatório em sanatório, buscando reeducar-se para ser uma pessoa comum, para sempre conhecido como aquele que vai (ou iria) ser Rei.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 20/06/2009
Reeditado em 20/06/2009
Código do texto: T1659140
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