A pesquisa científica e o Direito

ADEODATO, João Maurício. Bases para uma metodologia da pesquisa em direito. Revista CEJ (Brasília), Brasília, v. 7, p. 143-150, 1998.

João Maurício Adeodato é professor titular e coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE; Pesquisador e Consultor do CNPq e Consultor da CAPES, da Secretaria de Ensino Superior do MEC e de diversas fundações estaduais de amparo à pesquisa; Membro da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Professor convidado em diversas universidades no Brasil; Professor convidado nas Universidades de Mainz e Freiburg im Breisgau. Seu currículo pode ser acessado em: http://lattes.cnpq.br/8269423647045727.

Nesse artigo, o autor enfoca a situação do Direito no contexto da pesquisa científica e dos cursos de pós-graduação no Brasil. Enfatiza a importância da pesquisa no desenvolvimento das ciências de um modo geral, chamando a atenção para o fato de que a pesquisa jurídica em nosso país não somente é das mais atrasadas em relação às demais áreas, como carece de investimentos estatais – em que pese o fato de o Direito estar sendo um dos cursos de graduação mais procurados pelos alunos egressos do ensino médio. E apresenta, de forma sucinta e objetiva, uma espécie de roteiro para que se organize a pesquisa jurídica e se elabore o trabalho em bases científicas, da escolha do tema à sua formatação e referências às fontes utilizadas.

Adeodato inicia seu artigo observando que o Direito não tem acompanhado as demais ciências no que tange a investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento. Na opinião do autor, isso decorre do fato de que nossos juristas, por estarem tão envolvidos no dia-a-dia prático de sua profissão, julgam-se sem tempo para estudos e pesquisas – e a atividade de pesquisa, é fato, toma tempo, exige dedicação e os resultados geralmente não aparecem no curto prazo. Alie-se a isso o fato de não terem sido preparados e, portanto, não saberem ao certo como pesquisar e apresentar os respectivos resultados.

De outro lado, já se percebe no Brasil o crescimento da demanda por cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado), com os olhos da comunidade jurídica cada vez mais voltados às atividades de pesquisa, por ter a classe se apercebido, finalmente, da importância do saber que da pesquisa resulta no tratamento de problemas práticos no dia-a-dia de sua nobre profissão. Destaca ainda, o autor, que os que insistem em menosprezar a importância da pós-graduação e da pesquisa para o Direito, fazem-no numa espécie de defesa dos próprios interesses, do status profissional alcançado, já que, conservadores como são, se mantêm alheios a essa “vertente inovadora”.

Engrossando o coro dessa contracorrente da evolução científica, infelizmente há, ainda, o alto índice de desistência que se observa nos cursos de pós-graduação – sob os mais variados argumentos, geralmente (mal) fundados na “falta de tempo” do aluno –, fato agravado pela leniência do poder estatal em relação aos bolsistas que não cumprem com suas obrigações, abandonando cursos bancados pelo dinheiro público, sem que incorram em qualquer tipo de penalidade – como se as bolsas de estudo públicas fossem uma doação pura e simples, sem qualquer contrapartida por parte do aluno contemplado.

Feita essa introdução, o autor passa às orientações de como conduzir um trabalho de pesquisa em bases científicas, primeiramente tratando da escolha do tema, ponto de partida essencial para que o trabalho venha a gerar os frutos esperados. Adeodato ressalta que o tema do trabalho propriamente dito não precisa ser original, bastando que o seja o enfoque, a atitude assumida por quem conduz a pesquisa. Salienta, também, que essa originalidade no enfoque do trabalho não deve ficar restrita às teses de doutorado; as dissertações de mestrado e as monografias serão tanto melhores quanto mais se aproximarem das teses de doutorado – e, para tanto, devem ter esse traço de originalidade, observa o autor.

Ainda em relação ao tema, recomenda-se evitar os muito amplos, de larga abrangência. O ideal é que o tema escolhido enfoque determinado assunto, autor, período (circunscrição temporal) e ou aspecto específico do Direito positivo. Mesmo que as editoras, do ponto de vista comercial, prefiram títulos mais abrangentes, aos olhos da comunidade científica não é isso o que mais importa. Outro ponto de capital importância, segundo Adeodato, é não dissociar a teoria dos aspectos práticos de um trabalho de pesquisa, já que esses são dois lados de uma mesma face, ou seja, um não faz sentido sem o outro, e quando se trata de trabalho de pesquisa no campo do Direito há uma tendência a não se fazer referência aos “trabalhos de campo”.

Na sequência, o autor tece comentários a respeito de como organizar o trabalho de pesquisa jurídica, observando que não há regra estabelecida quanto ao número de páginas, partes, capítulos, subitens etc. Deve-se, sempre apelando para o bom senso, buscar subdividir o trabalho em compatibilidade com o número de laudas. Assim, um trabalho redigido em poucas páginas pede uma subdivisão menor, se comparado a outro mais volumoso.

Ainda que se tenha à disposição em livrarias manuais sobre como redigir um trabalho, e eles enfatizem aspectos formais dos planos e projetos, salienta o autor que o importante é dividir o tema escolhido em tópicos razoavelmente detalhados, evitando-se sumários assépticos, que poderiam servir a qualquer tema e autor.

Ressalta, ainda, que mesmo quando a pesquisa jurídica é essencialmente teórica, referências constantes a casos reais só têm a enriquecer o trabalho. Apenas conceitualmente, se divide a pesquisa em bibliográfica e empírica – entendidas como fases de uma única tarefa, e não como atitudes distintas. A primeira está relacionada ao material já existente, publicado principalmente em livros e artigos científicos. A segunda guarda relação com os eventos e fatos que o pesquisador analisa sem a intermediação de outro observador, e pode ser realizada por meio de questionários, entrevistas, estudos de caso etc. No caso da pesquisa jurídica especificamente, segundo o autor pode-se classificá-la em científica e dogmática. Esta se destina a sugerir estratégias de argumentação e decisão diante de conflitos a partir de normas jurídicas estabelecidas, ao passo que aquela tem por fim descrever e criticar os fenômenos definidos como objeto.

Especial atenção deve ser dedicada às fontes de referência, posto que um trabalho de pesquisa, ao contrário de um simples relatório, envolve estudo, prospecção aprofundada, apoiando-se com clareza no objeto investigado, seja ele formado por eventos, conjunto de normas ou opiniões de leigos, agentes jurídicos e ou doutrinadores. O autor chama a atenção para o fato de que os juristas brasileiros costumam usar mais livros e manuais que artigos, o que está na contramão das tendências mais modernas, ditadas pela escassez do tempo. Importante também que as fontes bibliográficas sejam específicas, afetas ao tema objeto da pesquisa, pouco importando as obras genéricas ou as básicas de leitura obrigatória para formação na área. Consulta à bibliografia estrangeira é também recomendável, assim como importantes se fazem as redes de computação e fontes não-bibliográficas (questionários, entrevistas, amostragens estatísticas etc), estas infelizmente ainda pouco utilizadas pelos juristas, ao contrário de outros estudiosos dos fenômenos sociais.

Na redação do trabalho, destaca o autor que usar da máxima clareza possível, sem repetições, obviedades ou prolixidade, é essencial e certamente será determinante para o sucesso (ou insucesso) do trabalho. Aspecto também relevante diz respeito ao critério de formatação do trabalho, à sua uniformidade (tipo e tamanho de fonte empregada, recuos, espaçamentos etc).

Por fim, o autor chama a atenção para as formas de referência às fontes de consulta utilizadas no desenvolvimento do trabalho, para a importância da adoção de um rigoroso critério normativo (normas específicas da ABNT) ao se mencionar as fontes de consulta, de modo que o leitor possa, com facilidade e clareza, dispor dos meios possíveis para a repetição de todos os passos do pesquisador. Neste particular, alguns parágrafos do artigo são dedicados a pormenores importantes sobre como referenciar corretamente as fontes de pesquisa utilizadas.

Penso que o artigo de Adeodato traz à baila uma questão essencial para nós, acadêmicos de Direito, tanto quanto para os já graduados, pós-graduados, mestres e doutores. Com efeito, nossa sociedade está em constante evolução, a reboque ou impulsionando o desenvolvimento científico nas mais diversas áreas – da medicina às conquistas tecnológicas nas áreas da computação, exploração espacial e telecomunicações, para citar apenas estas. E isso não seria possível sem pesquisa e desenvolvimento. Tanto isso é verdade que as empresas em geral, privadas e estatais, investem cada vez mais nessa área, onde os resultados podem até não ser imediatos, mas são certos. E por que seria diferente com o Direito, já que este deve sempre acompanhar a evolução da sociedade, posto que é exatamente em função dela que existe? Sem que os acadêmicos e operadores do Direito dediquem parte de seu tempo à pesquisa, acredito que correríamos o sério risco de, em pouco tempo, nos vermos diante de um Direito estagnado, obsoleto, defasado da sociedade para a qual existe, e isso simplesmente não funcionaria.

Por essa razão, considerando ainda a orientação do autor sobre como elaborar um trabalho de pesquisa jurídica, considero o artigo objeto desta resenha indicado para todos os acadêmicos e operadores do Direito.