FUNCIONAMENTO DISCURSIVO DO GÊNERO ‘NOTÍCIA’: TRABALHO EM SALA DE AULA NA DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA

O trabalho com Língua Portuguesa (LP) deve ocorrer a partir dos gêneros para alcançar uma dimensão discursiva. Os gêneros são conteúdos e são também ferramentas (SCHNEUWLY, [s/d]). Conteúdos porque têm uma certa forma linguística, uma estrutura, um vocabulário; e ferramentas porque ao mesmo tempo são um instrumento usado numa situação de comunicação específica.

A utilização de determinados recursos linguísticos na composição dos enunciados de um dado gênero se dá pela relação dele com uma determinada esfera das práticas sociais - entrelaçamento que, por conseguinte, confere ao gênero uma dimensão discursiva, pois articula forma composicional, conteúdo temático e estilo – os quais são efeitos de seu vínculo historicamente sedimentado com uma determinada esfera de atividade ou prática social.

Além da formulação dos gêneros discursivos, é fundamental destacar também a importância da circulação para sua permanência ou desaparecimento e para as mudanças acontecidas na sua configuração geral e na formulação particular dos textos que os materializam na enunciação. E é preciso lembrar, ainda, que essa circulação afeta seus sentidos e gestos de leitura.

A compreensão da formulação, do modo de circulação – que se dá sempre em condições de produção específicas – e da constituição dos gêneros discursivos é fundamental para apreender seu funcionamento.

A fim de compreender melhor, analisemos as possibilidades de trabalho em LP com o gênero ‘notícia’, partindo de uma abordagem discursiva e utilizando algumas estratégias como agrupamento de gêneros; constrate entre os exemplares de um mesmo gênero; e gradualidade na análise.

A ‘notícia’ pode ser trabalhada em diferentes mídias – isto é, podem-se trabalhar vários exemplares diferentes do mesmo gênero – ideia do agrupamento – numa sequência didática, pois permite ao aluno perceber: quais as principais semelhanças e diferenças em relação a outros textos do mesmo gênero; as mudanças composicionais decorrentes da forma de circulação; o modo como a circulação afeta os gestos de leitura, etc.

A notícia no impresso apresenta certas características que podem ser exploradas em sala de aula. Na relação com o leitor, o impresso afeta os gestos de leitura, pois pode ser recortado e arquivado com facilidade; as fotos e outros detalhes podem ser revistos, facilitando a possibilidade de reflexão; pode estar à mão a qualquer momento, o material pode ser dobrado e é facilmente carregado; o leitor tem a impressão de que manuseia o todo e tem menos ‘chamadas’ que possam distraí-lo do conteúdo principal; a notícia pode ser relida para melhor compreensão; e o leitor pode manifestar-se, posteriormente, por meio de cartas ou e-mails.

Ao mesmo tempo, uma certa imagem de leitor é projetada, qual seja, a de uma pessoa com capacidade para relacionar as informações (texto, imagem, contexto, gênero) à conjuntura histórica vivida no momento da leitura, pressupõe um leitor alfabetizado e com condições financeiras para adquirir o jornal impresso.

Quanto à forma de produção, na notícia impressa há o aprofundamento do assunto; pode publicar revelações sensacionais em matérias investigativas; têm mais condições de dar continuidade a matérias, abordando assuntos já tratados sob novos ângulos; há fotos que revelam os cenários dos acontecimentos, os detalhes, as expressões das personagens etc; tem maior apelo visual; e utiliza, sobretudo, a norma padrão da língua.

A notícia no rádio em relação à notícia impressa apresenta diferenças e semelhanças. As paridades que podem ser apontadas são: objetivo de informar; relatar fatos condicionados ao interesse do público em geral; ter linguagem denotativa, objetiva, sem ambiguidades e na 3ª pessoa; e primar pela imparcialidade.

As diferenças, que podem ser exploradas mais exaustivamente em sala de aula, são: quanto às condições de produção: a notícia no rádio tem maior apelo auditivo, na voz do locutor e nos sons de fundo; as notícias são mais curtas e instantâneas e são escritas para serem faladas, ocasionando um padrão coloquial urbano que não distancie o ouvinte e que, ao mesmo tempo, não banalize a notícia; a difusão é mais facilitada que na notícia impressa, portanto o acesso é maior; e a forma como a notícia circula tende a fazê-la desaparecer tão logo cumpra sua função, ao contrário da notícia impressa que pode ser arquivada.

Na relação com o leitor, isto é, no aspecto da recepção: não pressupõe, necessariamente, uma pessoa alfabetizada; o leitor é, na verdade, ouvinte; este pode manifestar-se por meio de ligações ou e-mails e interagir em tempo real com a pessoa que, supostamente, realiza a ‘função-autor’; as notícias, por serem rápidas – para consumo – não pressupõem um ouvinte reflexivo e tampouco estimulam esta postura.

Numa primeira ocasião, será feita a leitura da notícia impressa pelos alunos; com levantamento de hipóteses, análise e reflexões de cunho mais geral, como identificação do gênero, do suporte, da esfera de atividade humana envolvida etc. Num segundo momento, será apresentada a notícia no rádio; o procedimento didático do professor repetir-se-á na condução do exame; em momento posterior, o docente poderá lançar questões mais específicas e norteadoras, gradual e contrastivamente, no convite à reflexão e cotejo dos objetos de estudo.

Estas questões mais especificas seriam: identificar e analisar os recursos de textualização utilizados, se há presença de certas tipologias textuais nos gêneros e com que propósito; identificação do domínio social de comunicação do texto, seu meio de circulação, e a imagem de leitor pressuposto e como a dinâmica destes elementos influenciam na estruturação do objeto; levantamento do vocabulário específico, se houver; observar se há progressão temática e por meio de que expediente ela é introduzida e se não houver, refletir o porquê de não haver e em que medida o suporte favorece ou não a progressão temática e o aprofundamento do tema.

A leitura e a reflexão sobre outros exemplares do gênero ‘notícia’ são bem-vindas, como a notícia na Internet e a notícia na televisão, partindo sempre de uma abordagem que: utilize agrupamentos de gêneros; que seja contrastiva e que, por conseguinte, possibilite identificar semelhanças e diferenças nos exemplares estudados; e que seja gradual, isto é, ofereça a possibilidade de observar e refletir sobre, por exemplo, o suporte dos textos e como o suporte altera a forma de circulação, que, por sua vez, produz mudanças na forma composicional e afeta os gestos de leitura; depois refletir sobre a imagem de leitor pressuposta; enfim, analisar e discutir item por item e como estes componentes se relacionam, dinamicamente, na produção de sentidos – o que nos leva à própria definição de gênero como “processos discursivos dinâmicos que se sedimentam historicamente pela sua circulação na sociedade, dadas determinadas condições de produção.”

O cuidado que o docente deve ter é para não esvaziar/enquadrar o trabalho na perspectiva dos gêneros discursivos com mera identificação de tipologias, de gêneros ou de situações de uso. O trabalho deve ser centrado no funcionamento do texto e na dinamicidade dos aspectos: composicionais, temáticos e de estilo com as condições de produção, o meio de circulação, as condições de recepção, o jogo de imagens entre leitor-interlocutor e os gestos de leitura envolvidos.

BIBLIOGRAFIA

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PELEGRINNI, Denise. Revista Nova Escola: Entrevista com Bernard Schneuwly. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/ensino-comunicacao-423584.shtml>. Consulta em: 24 de março de 2012.

ROJO, R. e ZOPI-FONTANA, M. G. Autoria, Efeito-Leitor e Gêneros de Discurso. Tópico 3: Funcionamento dos gêneros: marcas e propriedades. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP.

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