O QUE FAZ UMA AULA MAIS OU MENOS INTERATIVA, COM OU SEM COMPUTADOR?

Na escola atual, constata-se a necessidade de que o professor invista em relações de reciprocidade para construir conhecimento, sendo, desta sorte, indispensável uma reformulação do papel docente no cenário das novas mídias, pois a era digital reconfigura as formas de se relacionar com o conhecimento e de construí-lo, o que, por sua vez, acarreta implicações no fazer docente. Segundo os atributos do meio digital, essa reconfiguração consiste na: interatividade, hipertextualidade e multimodalidade – propriedades as quais exigem novas atitudes perante o texto, a linguagem e o conhecimento.

A interatividade se estabelece tanto na relação entre o homem e as máquinas (midiáticas), como na relação entre os participantes e conteúdos de um evento ou de uma prática comunicativa. Portanto, em situações comunicativas, pode-se pensar em graus de interatividade. Quanto maior for o nível de interatividade, mais um meio permitirá a manifestação de três tendências da comunicação social contemporânea: participação-intervenção; bidirecionalidade-hibridação; e permutabilidade-potencialidade.

Na interatividade

“o emissor pressupõe a participação-intervenção do receptor: participar é muito mais que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada; participar é modificar, é interferir na mensagem. Comunicar pressupõe recursão da emissão e recepção: a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção; o emissor é receptor em potencial e o receptor e emissor em potencial; os dois pólos codificam e decodificam. O emissor disponibiliza a possibilidade de múltiplas redes articulatórias: não propõe uma mensagem fechada, ao contrário, oferece informações em redes de conexões permitindo ao receptor ampla liberdade de associações e de significações.” (SILVA, 2004, pag. 7)

Refletir sobre os aparelhos disponíveis na escola, que podem favorecer práticas mais ou menos interativas, é importante, porém tão importante quanto é problematizar a postura docente diante dessas ferramentas, haja vista que a disposição do professor poderá determinar em grande parte o grau de interatividade dos dispositivos. Uma atitude comunicacional que favoreça e promova as participações e o diálogo é condição indispensável à aprendizagem. O dispositivo tecnológico de per si não constitui, tampouco assegura a interatividade, uma vez que pode ser usado a serviço da pedagogia da transmissão e da memorização.

Os dispositivos tecnológicos disponíveis na escola hoje – lousa, livro, laboratório, retroprojetor, computador, máquina de Xerox, lousa digital, vídeo, mimeógrafo e assim por diante – serão tanto mais interativos quanto igualmente for viabilizada aos alunos a participação na construção do conhecimento e da própria comunicação entendida como colaboração da emissão e da recepção – e isso diz mais respeito à postura docente do que ao uso em si mesmo da ferramenta. O potencial interativo de alguma ferramenta poderá ser maximizado ou minimizado pela intervenção didática do professor, por exemplo, na leitura de uma poesia impressa, o professor poderá propor que os alunos criem notas de rodapé que mencionem outras notas, de outros alunos, que remetam a outros textos, a vídeos ou a músicas – isso também poderá constituir uma experiência de leitura não linear e mais ou menos aberta em que os alunos são colaboradores, coautores e participantes, porém no formato tradicional, pois a postura docente favoreceu ainda que o formato não fosse tão propício.

O trabalho com gêneros digitais como hipertexto são ferramentas oportunas para que o professor possa ser mais interativo; para isso será necessário o suporte digital a fim de manipular o objeto de leitura. Os gêneros digitais favorecem a interatividade, pois permitem uma leitura não sequencial, admitem a construção dos caminhos da leitura no meio das conexões disponíveis e transformam a leitura em escritura.

Na relação entre o professor, o aluno e os objetos de aprendizagem, as vantagens e oportunidades que o acesso a meios digitais na escola pode trazer é que se o docente perceber que ter a experiência de intervenção na mensagem difere da recepção passiva de informações da mídia de massa tradicional,

“Ele [o professor] pode redimensionar sua sala de aula, modificar sua base comunicacional, inspirando-se no digital. Ele modifica o modelo centrado no seu falar-ditar e passa a oportunizar ao aluno autoria, participação, manipulação, coautoria e informações as mais variadas possíveis, facilitando permutas, associações, formulações e modificações na mensagem. (SILVA, 2004, pag. 8)

Com o acesso aos meios digitais, os alunos tenderão a ser mais autônomos e o papel do professor precisará forçosamente ser repensado, ele passará a ser assessor do aluno, mediador, coordenador de equipes de trabalho, provocador de interrogações, sistematizador de experiências (Martín-Barbero, 1998 apud in SILVA, 2004). As barreiras para a concretização dessa experiência são a dificuldade de acesso dentro da escola a essas ferramentas digitais e a própria resistência de muitos docentes aferrados em suas práticas transmissivas devido ao não domínio das novas tecnologias e à insegurança de não ser mais o dono do saber e, portanto, ao temor de ser deposto da ilusão de poder e certeza que a pedagogia da transmissão lhe inculcava, o que desequilibra a velha hierarquia professor-aluno e põe em crise seu papel de guardião e transmissor da cultura.

Apesar de a interatividade ser altamente potencializada pelo meio digital, é conveniente pontuar que ela pode acontecer também sem o computador, pois os textos pertencentes ao meio digital circulam por diversos espaços sociais e aparelhos digitais e não apenas no computador.

Na minha experiência docente, procuro privilegiar práticas interativas até mesmo para assegurar a participação efetiva dos alunos e um verdadeiro aprendizado. Realizamos uma produção de conto a partir de vídeo – atividade que potencializou o exercício da autoria e a interferência dos próprios alunos no momento da escrita, pois a produção foi passo-a-passo e conforme os alunos escreviam, eu pedia para que alguns deles lessem o que haviam escrito, então os colegas opinavam, dizendo se não era melhor substituir tal ou qual termo por um sinônimo, se faltava descrição, diálogo, se o diálogo estava lento, se era melhor omitir alguma informação naquele momento para manter o suspense, se era oportuno conversar com o leitor etc. Semana passada, estávamos trabalhando ‘sinopse’; previamente, pedi que as crianças trouxessem “dvds” de casa; de preferência, com filmes que eles já tivessem assistido. Formamos grupos com até cinco alunos, os grupos escolheram apenas um filme uma vez que para cada grupo tinha muitos filmes; eles escolheram e apresentaram o filme, oralmente, elencando os elementos da narrativa presentes e comentando a sinopse, se ela era clara, objetiva ou prolixa, se ela era sedutora e como (quais adjetivos eram usados), se era desinteressante e por que motivo, se a sinopse harmonizava-se com a capa etc. Depois de depreendermos o conceito de sinopse, passei na lousa a sistematização e cada grupo escreveu sua própria sinopse do filme selecionado; os grupos trocaram entre si os textos produzidos para corrigir ou dar uma opinião escrita. Cada grupo comentou a correção realizada, dizendo para os colegas do outro grupo o que faltou na sinopse deles para ser mais sedutora, comentou desvios ortográficos, teceu elogios etc; por último, cada grupo devolveu a sinopse para o grupo que a produziu a fim de que cada um pudesse ver onde errou e ler o comentário deixado pelos colegas que avaliaram a produção; então cada grupo, com sua sinopse em mãos, a leu para a classe toda. Acredito que essa atividade foi interativa, pois os alunos puderam se manifestar e interferir na produção do colega, colaborando na reescrita e manifestando juízo de valor em relação ao texto lido; também porque foi realizada uma produção a partir de outra mídia, isto é, a partir de filmes, que são, por natureza, multimodais – o que desafiou os alunos a passar para a modalidade escrita, de forma pertinente e convidativa, a multissemiose dos filmes.

As dificuldades que encontro para realizar aulas mais interativas estão na falta de recursos que a escola oferece; não obstante procuro utilizar tecnologias, como vídeos, músicas, textos impressos e hipertextos, gêneros variados; correção pelos próprios alunos, cores de giz diferentes na lousa para ressaltar aspectos da oração, esquemas conceituais, dramatização, as experiências dos alunos com as mídias digitais por meio de opinião, formação de grupos, pois acredito que a interatividade também está nas estratégias utilizadas, na postura docente, na oportunidade de interação entre os próprios alunos também e não só nos recursos tecnológicos, conforme pontuado no começo deste artigo, a interatividade se estabelece tanto na relação entre o homem e as máquinas (midiáticas), como na relação entre os participantes e conteúdos de um evento ou de uma prática comunicativa.

BIBLIOGRAFIA

BRAGA, D. e BUZATO, M. Multiletramentos, Linguagens e Mídias. Tema: 2 – A Linguagem nos/dos Novos Meios, tópico 2. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP.

SILVA, M. Indicadores de interatividade. Revista Diálogo Educacional, vol. 4, núm. 12, maio-agosto, 2004, pp. 1-17. Pontifícia Universidade Católica do Paraná: Paraná.

Viviane Mirandaa
Enviado por Viviane Mirandaa em 03/12/2012
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