O ENSINO DE PORTUGUÊS: ORIGENS DAS PRÁTICAS E NECESSIDADES DOS ALUNOS HOJE

Desde o século XVI, com os jesuítas, até o século XIX, a língua portuguesa na escola brasileira era instrumento de alfabetização e língua falada, após a alfabetização estudava-se gramática e retórica – primeiro em latim e somente muito depois em português.

Até fins do século XIX, a língua portuguesa não foi considerada nas escolas como disciplina curricular. O marco oficial do ensino de português no Brasil foi 1871, ano em que se criou em decreto imperial o cargo de professor de português. A disciplina passou a reunir o trivium – gramática, retórica e poética.

A gramática foi a disciplina fundante do ensino de português. Seu conteúdo era essencialmente itens de morfologia, com grande ênfase em verbos, uma pequena parte de sintaxe e ensino de figuras de linguagem baseado em trechos de clássicos da literatura; mais tarde (fins do século XIX), quando o ensino de literatura passou a figurar no currículo, na definição dos escritores e temas a serem lidos pelos alunos tinha-se a preocupação com sua formação moral e espiritual – conduzi-los à virtude.

Segundo Soares (2004), um traço equívoco da política linguística adotada no Brasil, aproximadamente de 1820 a 1920, foi o ensino da língua que postulava uma modalidade única do português, com uma gramática única e uma batalha contumaz contra as variações, inclusive as de pronúncia.

As práticas de ensino citadas foram incorporadas aos cursos e aulas avulsas para os Exames Preparatórios, os quais serviam para ingresso no curso superior. Dentre os cursos de preparação mais importantes, estava o do Imperial Colégio Pedro II, que, por muitos anos ditou o currículo no Brasil, a partir da seleção de conteúdos e obras que entravam nos Preparatórios. Esta foi a origem dos cursos secundários no Brasil, que, depois, se alongaram dando origem ao que hoje é o Ensino Fundamental II (Ginasial, 1940).

As reformas e programas acabaram por extinguir as disciplinas de Retórica (e Poética, mas não de Gramática) e por criar a disciplina de História da Literatura, incorporando como conteúdos práticas de leitura/recitação e composição/redação.

Pode-se, ainda hoje, reconhecer sobrevivências de muitas dessas práticas em nossas salas de aula.

Segundo Marcuschi (2010), até os anos cinquenta, o ensino de redação na escola era em forma de composições que não tomavam a escrita como:

“Um processo de interlocução, pois, além das indicações sobre o que escrever aparecerem de modo descontextualizado, não [eram] estabelecidos para o aluno nem o objetivo da atividade, nem o leitor presumido, nem o espaço em que o texto [iria] circular. Além disso, pode-se afirmar que a parcimônia na apresentação do tema tendia a prejudicar os aprendizes que não dispunham de conhecimentos prévios sobre o assunto para realizar a proposta.” (p. 4)

Nos livros didáticos da época, seguia o Acordo Ortográfico na íntegra e uma lista de palavras cujo sentido provavelmente os alunos desconhecessem, mas cuja finalidade era fixar a ortografia correta das palavras.

Dos anos sessenta aos setenta, ainda persistiam práticas cujo pressuposto era o de língua enquanto um código (MARCUSCHI, 2010), é nesse período que se consolidam os ‘gêneros escolares’ – dissertação, descrição e narração, embora já se fizessem presentes em épocas anteriores.

“Há um modelo, um padrão de texto a ser obedecido, uma técnica de redação a ser aplicada. Segui-los à risca, garante a uniformidade e a clareza da mensagem e, com isso, sua decodificação pelo receptor. Portanto, o que se pretende conseguir com esses ensinamentos é a formação de um aluno capaz de se expressar com eficiência via mensagens padronizadas, dirigidas para qualquer pessoa e, ao mesmo tempo, para ninguém.” (MARCUSCHI, p. 7)

Na década de oitenta já se aponta para relevância do ensino da escrita de modo contextualizado, e embora os aspectos formais tenham sido priorizados, as reflexões desse período foram fundamentais para que a perspectiva sociointeracionista de linguagem ganhasse espaço nas salas de aulas no ensino de língua portuguesa como L1 nos anos ulteriores (idem, p. 8).

Hoje o ensino de Língua Portuguesa, o qual abrange Literatura e Gramática, parte da língua em uso, isto é, trabalha-se por meio do ensino dos gêneros e de ações interlocutivas entre leitor-texto-autor, numa abordagem contextualizada – a partir disso se ensinam os conteúdos gramaticais em práticas de reflexão sobre a língua e não de ‘decoreba’ e de análises sintáticas estanques; com a finalidade de levar o aluno a participar de modo ativo e crítico das ações de sua comunidade.

No ensino de Língua Portuguesa atual, o aluno aprende por meio dos gêneros textuais, escreve para leitores reais, com objetivos explícitos, num espaço de circulação definido, com suporte pressuposto – em práticas pedagógicas que levam o estudante ao uso da língua em práticas sociais reais, contemplando as variações linguísticas, refletindo sobre a língua e seus usos, utilizando a comunicação para atingir finalidades concretas e como espaço de atuação social.

Porém essa nova abordagem – sociointeracionista - ainda não é utilizada por todos os profissionais da área, desta sorte não está totalmente sedimentada, restando ainda 'práticas cristalizadas', como análises sintáticas com frases feitas ou extraídas de clássicos da literatura num português castiço, ensino de categorias fora de contexto com listas de palavras, práticas de produção de texto estagnadas em formatos rígidos, sem funcionalidade – técnica cuja origem foi exposta nos primeiros parágrafos.

MARCUSCHI, Beth. Escrevendo na escola para a vida. In: RANGEL, E. O.; ROJO, R. H. R. (Orgs.) Língua Portuguesa - Ensino Fundamental. Coleção Explorando o Ensino, Vol 19. Brasília, DF: MEC/SEB, 2010, p. 65-84.

ROJO, R. História da Disciplina de Língua Portuguesa no Brasil. Tema 1: De fins do séc. XIX a 1960. Tópico 3: Dos anos 50ao final doas anos 60 Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP.

SOARES, Magda Becker. Português na escola - História de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da norma. SP: Edições Loyola, 2004. P. 155-177.

Viviane Mirandaa
Enviado por Viviane Mirandaa em 05/12/2012
Reeditado em 05/12/2012
Código do texto: T4020230
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