Experiência DEPECHE MODE

“Strangelove

Strange highs and strange lows

Strangelove

That's how my love goes...”

(Strangelove: Music for the Masses, 1987)

PARTE I

Difícil falar sobre ou tentar explicar o conceito, mas, como um diletante da causa maior tentarei, nas linhas que se seguem, traçar um panorama da minha experiência, desde a primeira audição, com o momento em que me vi diante do palco e, sobre ele, o Depeche Mode.

Do início minimalista, com claras influências de Kraftwek e do “Do it yourself” tão em voga no início dos 80’s para a ruptura marcante a partir de 1986, o salto qualitativo da banda é enorme.

Não que fosse necessário mudanças, todavia um amadurecimento latente dos integrantes, dos componentes, dos elementos que tocam a engrenagem em tempos de construção e reconstrução. Não obstante, havia emoção e arte a flor da pele, emolduradas por gélidos teclados numa profana redenção em preto e branco. Era a sensação que eu sentia olhando para aquele “cisne plastificado e calado” eu me calava diante do meu toca-discos Phillips.

Dessa fase, temos clássicos instantâneos como: “New Life”, Photographic”, “Dreaming of Me” e a hipnótica “Just Cant Get Enough”.

A banda se torna um trio e lança um álbum em 1982 com uma das capas mais simbólicas da história fonográfica: “A Broken Frame”, onde experimentamos em deleite, como quem aprecia um quadro transcendental, a “camponesa e sua foice”.

E então, “Leave in Silence”, “My Secret Garden” e “See You” nos mostram que uma evolução do conceito já estava acontecendo contínua e regularmente.

Em “Construction Time Again”, “Everything Counts” prova o talento de Martin Lee Gore que em 1983 já se tornara notável em suas composições indefectíveis e arranjos excêntricos e minimalistas.

Nesse trabalho, Alan Wilder o último componente da máquina chegou para criar arranjos ainda mais sensacionais para a proposta do quarteto e as canções tornavam-se belas, reflexivas e dançantes.

Seguiu-se o lançamento de “Some Great Reward” no ano seguinte e canções arrebatadoras e repletas de mensagens relevantes e reflexivas, tais como: “Something To Do”, “People Are People”, “Somebody”, “Master And Servant” e “Blasphemous Rumours” iam além do universo pop da época e mostravam que o Depeche Mode era uma banda que “não fazia músicas simplesmente para os fãs dançarem”, como atestou Andy Fletcher numa entrevista para a Revista Bizz em maio de 1989.

PARTE II

Então, no ano de 1986, veio a ruptura inefável e surge o inacreditável!

Fez-se “Black Celebration” diante dos nossos olhos e ouvidos!

Um álbum assustador e provocador de um som distante da noção trivial, da percepção sonora comum e ao mesmo tempo pop e acessível, todavia hermético e obscuro em essência, como a canção de abertura, homônima ao álbum.

Outra surpresa surge com a dançante “Fly On The Windscream”. Seguem-se “A Question Of Lust” e “Stripped” abrindo o Lado B.

“Here is the House” e “It Doesn’t Matter Two”, fazem uma reviravolta no que se ouvia e no que passou a se produzir no final da década de 80.

Depois, “Music For The Masses” em 1987 com “Strangelove” e “Never Let me Down Again”; a conquista da América era questão de tempo e a “Turnê 101” foi a redenção para "criadores" e "criaturas"!

Um álbum duplo e ao vivo foi gerado e concebido em Pasadena no mítico Estádio Rose Bowl, e com ele veio, além do estabelecimento definitivo da banda no mainstream, uma nova legião de fãs.

“Violator” de 1990 nos arrebatou com “Enjoy The Silence” e “Personal Jesus”.

Dave instruía-nos com: “Reach and touch faith!”, que só corroborava com a iniciativa Pop-Gótica para as massas esclarecidas.

E o tiro foi certeiro, haja vista que a popularidade da banda só aumentou no inicio dos 90’s.

Mas, o melhor ainda estava por vir: “Songs Of Faith And Devotion” trouxe-nos uma sonoridade única e canções que se destacam por sua sensibilidade gospel e sua audácia profana.

A abertura chocante de “I Feel You” e a vontade de dançar que “Walking In My Shoes” causa no ouvinte é espantosa. Mas, o ápice vem com as canções: “Condemnation / Judas / One Caress”. Inefáveis, envolventes e não dançantes, mas de extrema reflexão para os devotos.

“Well I´m down on my knees again

And I pray to the only one

Who has the strength

To bear the pain

To forgive all the things that

I´ve done”

Ouvindo-as é que se chega a conclusão de que uma banda, antes classificada de “Tecnopop” foi capaz de fazer não só “Música Pop”, todavia uma forma de “Arte Sacra Contemporânea”.

“Songs of Faith And Devotion” também ficou marcado pela última turnê de Alan Wilder e muito se falou sobre a continuidade profícua da banda com a saída do mestre arranjador que também flertava com sons acústicos. Foi ele quem promoveu a inserção de bateria acústica no som do Depeche Mode fazendo com que se metamorfoseassem diante dos nossos olhos e ouvidos a cada novo álbum lançado.

Então, em 1997 surge “Ultra” e uma nova banda com uma nova sonoridade e uma nova formação surpreendia seus fãs e o mundo da música pela terceira vez.

Muitos se perguntaram ... O que é aquela abertura de “Barrel Of A Gun”?

Outro álbum sólido, conciso, hermético e, por vezes, agressivo, entrava em nossos ouvidos num formato com guitarras, bateria e, como não podia deixar de ser... Teclados delicados e potentes sintetizadores que emolduravam a incontestável voz de Dave Gahan.

PARTE III

“Exciter”, “Playing The Angel”, “Sounds Of The Universe”, “Delta Machine” e o mais recente “Spirit” lançado em 2017 são álbuns do Século XXI para as décadas vindouras, cada qual com sua peculiaridade metafórica, mantendo a alma, a proposta e a concisão sonora do Depeche Mode junto ao público, para as gigantescas massas que se formam e os cultuam.

Proposta essa, original e inigualável, reconhecida logo no início de cada canção. Difícil errar e não dizer: é Depeche Mode!

Todos conhecemos o vocal indefectível de Dave Gahan e apreciamos aquele toque inverossímil do Martin Gore que nos faz imaginar que as máquinas têm sentimentos e são tão passionais quanto os humanos.

O Depeche Mode, é uma banda que me faz dançar, refletir, me emocionar, ver o mundo de uma maneira superficial, fetichista, simples e acessível e ao mesmo tempo profunda, excêntrica e complexa. Estranho... Estranho amor. Uma forma peculiar e inerente de relação entre pessoas.

“It's a lot like life...”

PARTE IV

Em 27 de março de 2018, numa terça-feira chuvosa e cinza, eles se apresentaram em solo brasileiro.

Depois de fraturar o tornozelo medial e lateral da perna esquerda no “Dia dos Pais” do ano anterior e passar por uma cirurgia e seis meses de fisioterapia, encarei a rodovia rumo à capital paulista e pude presenciar uma grande celebração ...

“To celebrate the fact

That we've seen the back

Of another black day!”

Diante dos meus olhos úmidos por lágrimas de satisfação, de redenção, de fé e devoção percebi como consegui vencer os fatos dos últimos meses, meses de dor, tristeza e desesperança!

Foi uma vitória de fé pessoal, uma vitória sobre a dor e sobre as dúvidas que pairavam, uma vitória do perdão... My own!

“Estendi os braços e toquei a fé” e ela estava comigo. O amor transbordou do meu coração.

“Let's play master and servant!”

Olhei para o alto, agradeci a Deus... “If you want my love!”

Em pensamento, voltei ao início desse “antigo estranho amor”, extravagante, sincero e duradouro. O meu longevo amor por essa banda excêntrica, inusitada, diferente, extraordinária e singular. Meus olhos se tornaram otimistas, vi o Paraíso e fotografei o arco-íris!

Ao final, regozijado; deixei a Arena mancando, de muleta, sofrendo com a dor, mas caminhando impávido “dentro dos meus sapatos” e cantarolando baixinho...

“And I thank you for bringing me here

For showing me home for singing these tears

Finally I've found that I belong”

Sabia que ainda havia uma longa estrada de volta ao meu jardim secreto.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 19/04/2018
Reeditado em 27/04/2018
Código do texto: T6313534
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