H.P.LOVECRAFT:A SOMBRA SOBRE INNSMOUTH: CONTO

O povoado de Innsmouth não é exatamente o destino turístico mais aprazível da Nova Inglaterra, ninguém desejaria visitá-lo, que dirá pernoitar por lá.As poucas pessoas são reticentes, as mais loquazes parecem meio loucas.E há alguma coisa muito errada com o aspecto dessa gente peculiar, algo simplesmente ...estranho, de um modo terrível e repulsivo.Bem, o protagonista da história acaba por descobrir mais do que gostaria, em sua breve passagem pela nada charmosa cidadezinha.Seu relato é vívido e riquíssimo em detalhes e especulação, como é típico na narrativa de Lovecraft.Aprecie por sua própria conta e risco.
 
Se eu estivesse incumbido de indicar os melhores contos de H.P.Lovecraft a alguém que ainda não conhecesse o autor, digamos, como que apresentando uma porta de entrada à ficção lovecraftiana, este conto certamente figuraria entre os cinco melhores, por razões as mais diversas.
 
O primeiro e principal motivo é o fato de que a história ilustra de forma emblemática a mitologia do ciclo Cthulhu, segundo a qual a raça humana não é a primeira civilização a habitar a Terra, mas apenas a residente temporária que presenciará, por fim, o retorno dos Antigos.É o texto de um Lovecraft maduro, que desenvolve seu enredo de ameaça latente com doses apropriadas de exposição descritiva e sugestão, tudo concorrendo para o efeito geral de estranhamento em um mundo que julgamos tão familiar.
 
Uma segunda razão importante que faz desse conto algo de peculiar interesse é a sua posição na cronologia da ficção lovecraftiana.Sendo um dos derradeiros contos realmente importantes do autor (1931), é interessante ter em mente dois outros contos a ele associados tematicamente : O CHAMADO DE CTHULHU(1926), a peça referencial do ciclo, e seu outro conto de monstruosidades aquáticas, DAGON(1917), mais antigo, na verdade, seu primeiro trabalho publicado.

Outra razão pela qual podemos afirmar que essa é uma história inconfundivelmente lovecraftiana é que ela traz outras das características que constituem o estilo do autor :


• Narrativa em primeira pessoa;
• Protagonista interessado em antiguidades ou no passado como um todo;
• A incursão de um indivíduo relativamente ‘normal’ num ambiente que se lhe apresenta definitivamente hostil;
• Um fatalismo aflitivo evidenciado em cada mínima sugestão de desgraça iminente, por fim confirmada em sinistros laços de sangue de uma parentela amaldiçoada.

Um dos traços recorrentes na prosa de Lovecraft, que, no entanto, não entendo exatamente como aspecto estilístico, é o que muitos leitores contemporâneos chamariam de xenofobia, pura e simplesmente, e racismo.Não pretendo elaborar defesas ou evidenciar a inépcia de certo público leitor, o tema é tedioso e foge da proposta desta resenha.Considero, porém, útil ressaltar que a narrativa de horror tem como matéria-prima o medo, a emoção mais primitiva, a menos elaborada, a emoção que a todos irmana.O objeto desencadeador do medo costuma ser um achado particular de cada escritor, como se ele convidasse o leitor a dar uma olhadela na realidade através das lentes de sua peculiar visão de mundo.Os medos reais de cada escritor estão representados no medo do protagonista, esse personagem com quem somos levados a desenvolver algum nível de empatia.As coisas que afligiam o espírito de Lovecraft estão para sempre representados em monstruosidades e anomalias que desafiam o bom senso.Que a profusão desses males ancestrais esteja de algum modo associada ao estrangeiro, ao diferente, é a mais clara indicação do medo real sob a superfície, discorrendo eloqüente em favor de um instinto básico de sobrevivência meio difícil de ser captado por uma geração de gente mimada como a atual.O contato com tal mundo de visões e epifanias abomináveis tem o potencial de instigar o leitor atento a especular a respeito de seus próprios medos num tempo em que o desespero tem muitos articulistas vociferando sandices em nome de ‘justiça social’, ‘pluralismo’, ‘um mundo melhor’ e coisas do tipo.

Na ficção lovecraftiana, não apenas o vício e degradação social, mas também promiscuidade cosmopolita e a leniência para com o que se supõe ser o curso inevitável da História são ferramentas instauradoras de um caos inexorável cada vez mais cioso de seu pleno destino.Os Antigos estão lá fora, por enquanto, mas o verme humano praticamente implora por ser esmagado de uma vez por todas, como que por piedoso favor.

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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 25/06/2018
Reeditado em 28/06/2018
Código do texto: T6373582
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