Sobre os capítulos 1 – “Ensinar Português?” (Milton José de Almeida); 2 – As sete pragas do ensino de Português” (Carlos Alberto Faraco) e 5 – “Concepções de linguagem e ensino de Português” (João Wanderley Geraldi) do livro “O texto na sala de aula”

“O texto na sala de aula”, nesses três capítulos, basicamente, apresenta ao leitor (público-alvo: professores de língua portuguesa) problemas e soluções relacionados ao estudo de língua materna nas escolas de ensino fundamental e médio (na época da compilação dos textos, 1984, primeiro e segundo grau). No capítulo 1 do livro, Milton José de Almeida imagina uma situação rotineira: uma conversa entre um sujeito qualquer com um professor de português. Trata o diálogo do ensino de língua portuguesa em salas de aula. Nesse bate-papo, o sujeito faz perguntas movidas por uma curiosidade natural do senso comum, portanto, nada acadêmica: “ensina-se mesmo português, esta língua que a gente usa todo dia?”. Já, no primeiro questionamento, percebe-se, no inaudito dele, a seguinte reflexão: qual a finalidade de se ensinar português para falantes de língua portuguesa?”

A partir daí, o autor usa seus personagens para incorporar (no personagem professor) o discurso estabelecido das escolas (talvez até hoje) que tenta justificar tal finalidade na necessidade de se falar e escrever o português correto, subentende-se então que o português falado pelos alunos é o errado. A sabatina do sujeito “leigo” lembra, de maneira irônica, o método maiêutico usado por Sócrates para investigar a fundo um tema qualquer ou expor as incoerências e contradições na argumentação de seu interlocutor, no caso da conversa fictícia, o professor. Este acaba se irritando e se exaltando quando percebe a sua incapacidade de explicar, de forma plausível, as questões colocadas por uma pessoa “não-especialista”. O rápido e dinâmico debate percorre, panoramicamente, tópicos relevantes: metalinguagem no ensino da língua; adequação; preconceito linguístico; adaptação do currículo conforme o “nível” do estudante (se é pobre ou rico, de escola particular ou pública, é do período diurno ou noturno), entre outros.

Percebe-se, portanto, que o primeiro capítulo serviu de mote para introduzir, de forma descontraída, o tema recorrente nos outros dois capítulos: estamos, nós: professores, educadores, escolas no caminho certo? Só lembrando que a conversa entre os personagens é da década de oitenta e essa conversa se repete até hoje, não só no meio acadêmico, mas também nas infinitas coordenações de disciplinas nas escolas tanto públicas quanto particulares. Nos últimos parágrafos do texto, o autor ainda faz ponderações sobre como o aspecto econômico e social familiar influencia no aproveitamento escolar do estudante.

No capítulo 2: “As sete pragas do ensino de português”, Faraco, antes de identificar as pragas, ressalta que o Brasil passava por uma crise no ensino público básico cuja consequência resvalava no ensino superior. Isso em 1984. Mais especificamente, apontava uma dificuldade de expressão oral e escrita entre os graduandos. Para legitimar a sua argumentação, cita uma reportagem da revista Construtora de 1975 em que, entre outras críticas, alega um despreparo intelectual dos jovens universitários: “praticam grosseiros atentados contra o vernáculo e contra a própria cultura universal”

Em seguida, enumera as pragas: 1ª – leitura não compreensiva: muita relevância na clareza e fluência da leitura, desprezando, quase totalmente, o mais importante: mensagem e análise crítica; 2ª – textos “chatos” que não interessam os alunos por não pertencerem ao universo de expectativas deles; 3ª – redações (tortura) já que os temas propostos estão distantes do conhecimento, da realidade e do interesse dos estudantes. Os assuntos não são trabalhados com os alunos antes da produção textual; 4ª – gramática (confusão) – para o autor, é o ponto nevrálgico do grande engano nas aulas de português porque resume o estudo gramatical à metalinguagem: conceitos, classificações, regras, exceções... “na ilusória certeza de estarmos ensinando a língua” e crava ser esse estudo inútil, incompleto, confuso e contraditório.

A 5ª praga faze referência aos conteúdos programáticos (inúteis) serem baseados em tópicos da gramática normativa e às estratégias inadequadas. Aqui Faraco lamenta que o estudo gramatical se resume à nomenclatura do fato linguístico e não ao fato linguístico propriamente dito. O estudo da língua se confunde com a memorização das nomenclaturas gramaticais, regras arcaicas e exceções esdrúxulas. Segundo o próprio autor: “essa matalotagem de coisas inúteis” e aponta um caminho: a gramática como livro de consulta. Faraco não propõe, mas deixa subentendido ao leitor: a gramática seria um livro de consulta, portanto, um instrumento de apoio para auxiliar a produção e a interpretação de textos.

Quanto à 6ª praga: “estratégias inadequadas”, o linguista apresenta suas críticas às conhecidas “aulas do erro” na correção das redações e lembra, citando Chaves de Melo, que “a obsessão do erro só pode gerar insegurança, inquietação e, pior do que isso, perda do senso estilístico”. Ele reclama da inutilidade de se trabalhar a ortografia por regras e lacunas e do estudo através de listas de exercícios gramaticais com frases soltas e isoladas de contexto. Daí as consequências: “o ensino de português inibe o falante, confunde-o no uso das formas linguísticas e dá-lhe insegurança no uso da língua”. Já, na 7ª praga: “Literatura (biografia)”, Faraco também critica o estudo da literatura sempre engessada à vida pessoal do escritor. E detalha: “há todo um sistema de ‘ensinar’ literatura que consiste em coletar dados biográficos dos autores e arrolar suas obras.”, chegando ao ponto de se ensinar literatura sem que os alunos entrem em contato com os textos.

Nesta breve reflexão sobre o estudo de língua portuguesa nas aulas de primeiro e segundo grau (hoje, ensino fundamental e médio), Faraco, em 1984, identificou problemas que (pasmem) até hoje, 2019, estão se repetindo tanto nos estabelecimentos de ensino público quanto nos particulares. Ele explica que o objetivo do texto não é oferecer alternativas, mas deixa claro ao leitor que o problema está na ordem do dia.

João Wanderley Geraldi, o organizador do livro, assume o capítulo 5: “Concepções de linguagem e ensino de português” e já, no início do texto, apresenta uma realidade, não só do tempo do texto (1984) como do tempo do leitor (2019): escrita e leitura precária dos estudantes de primeiro e segundo grau (ensino fundamental e médio). A dificuldade de expressar o pensamento na era da comunicação (hoje, era da informação), a incapacidade generalizada de articular um juízo, o baixo índice de leitura entre os jovens, as redações dos vestibulandos (hoje no ENEM) entre outros exemplos que construíram um quadro caótico nos anos oitenta e, talvez até mesmo antes, que se mantém na contemporaneidade.

Geraldi destaca também como outros fatores causadores desse fracasso escolar a inércia administrativa do poder público, professores mal pagos e mal remunerados (esta resenha acrescenta nesse tópico: pais de alunos mal pagos ou desempregados), verbas escassas e aplicadas de forma irracional. Após elencar os problemas, o autor entra na questão específica: o ensino da língua materna. E, segundo ele, “qualquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria da compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula”. Daí que qualquer metodologia deve levar em consideração, previamente, não só a noção de educação, mas, principalmente, as concepções de linguagem: expressão do pensamento; instrumento de comunicação; forma de interação. Geraldi estabelece, respectivamente, essas três concepções com as três grandes correntes da linguística: gramática tradicional; estruturalismo e o transformacionalismo; linguística da enunciação.

Nesse sentido, o linguista do quinto capítulo mira a sua análise na terceira concepção: linguagem/interação/enunciação porque o discurso é o uso da linguagem na prática social, portanto, a linguagem é o lugar de constituição das relações sociais, mediante suas interlocuções, tornando o falante, também sujeito. Portanto, a metodologia de ensino de língua materna não seria pautada por um desmembramento anatômico de suas estruturas gramaticais separadas formalmente, mas por demandas de comunicação do falante/estudante em variadas situações sociais de fala/escrita/leitura/escuta de maneira a desconstruir toda a hierarquização das referidas situações sociais que demandam linguagem, dominando-as (no plano da leitura/escrita) mas respeitando suas características peculiares e estabelecidas pelo próprio lidar social, reconhecendo-as como adequações necessárias pelo próprio convívio coletivo.

Tal demanda surgiu também, segundo Geraldi, com a democratização da escola (ainda que falsa) e a necessidade de levar em consideração toda bagagem cultural, linguística e de vida do estudante, de sua família e de sua comunidade ao redor da escola, não como uma postura demagoga de abnegação, mas como uma espontânea atitude de quem (no caso, a escola) quer, não só ensinar, mas também aprender com uma cultura diferente (no caso, a comunidade do aluno) se é que exista, de fato, tamanha divergência cultural e linguística entre os dois agentes educacionais. Nessa perspectiva, o autor faz uma crítica à hierarquização da língua materna, questionando o porquê da existência, ainda que no imaginário social, de uma “língua de prestígio”. E lembra, no final do texto, que exercer o papel de sujeito transformador de sua história e da história de sua coletividade exige também, dos estudantes, o domínio das modalidades linguísticas usadas pelo poder político (empoderamento discursivo).

RENATO PASSOS DE BARROS
Enviado por RENATO PASSOS DE BARROS em 04/04/2019
Reeditado em 04/04/2019
Código do texto: T6615470
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