BEZERRA DE MENEZES, Diário de um espírito

BEZERRA DE MENEZES, Diário de um espírito, de Glauber Filho e Joel Pimentel, Brasil, 2008

Flavio MPinto

Bezerra de Menezes, diário de um espírito, aborda a vida de Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, destacado médico espírita nascido no Riacho de Sangue-Ceará em 1831 e falecido(desencarnado no linguajar espírita) em 1900.

Confesso que esperava mais do filme.

A trajetória do mais destacado médico espírita brasileiro foi definida mais do lado político. Se bem que , nesse aspecto, Bezerra também foi mostrado no seu lado catequizador e mestre.

Seguiu a carreira política , de 1860 a 1885, na cidade do Rio de Janeiro- a Corte, cidade onde se radicou, após destacar-se nos estudos de Medicina, com intensa participação na Câmara Municipal. Foi ainda Cirurgião do Corpo de Saúde do Exército em 1858, membro da Academia Imperial de Medicina e redator da revista da FEB-Federação Espírita Brasileira.

No entanto, pouco ou quase nada, daquilo que mais o caracterizou: o atendimento aos humildes das mais variadas formas revelando seu perfil de "médico dos pobres", o homem do bem e da paz.

Foi um filme estilo documentário com uma voz ás vezes inaudível do protagonista/narrador Carlos Vereza.

A primeira vista culpei o cinema pelo som, mas rápido me recordei do início da sessão onde créditos de propagandas e trailers eram mostrados com uma sonografia ímpar. Então era o som nada bom do filme. Porquê o som dos filmes nacionais é tão ruim na sua maioria? Equipamento? Reprodução deficiente? Método de gravação? Acústica do cinema? Qualquer outro não justifica nesta quadra da tecnologia mundial á disposição.

Pode-se considerar o período no qual se desenvolveu a trama, século XIX , a justificar a atmosfera ambiental na qual a película foi rodada, procurando-se deixar o mais próxima possível daquela realidade. Mas nada justifica o som daquela forma.

Mas o que tinha de bom o filme sobre o Apóstolo do bem e da paz, amigo dos humildes e dos enfermos? Muita coisa, mas , certamente, escondida de quem não é espírita. Escondida nos diálogos extraídos dos livros espíritas como lições a serem aprendidas, escondida nos discursos proferidos explanando sua fé na vida após a morte, escondida na máxima " fora da caridade, não há salvação".

Bezerra conheceu a Doutrina Espírita, através de um exemplar de O Livro dos Espíritos que lhe foi oferecido em 1875 com dedicatória pelo seu tradutor, Dr. Joaquim Carlos Travassos, seu amigo. Sobre o contacto com a obra, o próprio Bezerra registrou:

"Deu-mo na cidade e eu morava na Tijuca, a uma hora de viagem de bonde. Embarquei com o livro e, como não tinha distracção para a longa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno por ler isto! Depois, é ridículo confessar-me ignorante desta filosofia, quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Pensando assim, abri o livro e prendi-me a ele, como acontecera com a Bíblia. Lia. Mas não encontrava nada que fosse novo para meu Espírito. Entretanto, tudo aquilo era novo para mim!... Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava no 'O Livro dos Espíritos'. Preocupei- me seriamente com este fato maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, mesmo como se diz vulgarmente, de nascença." Esta citação é destaque no filme.

Carlos Vereza fez uma interpretação impecável, bem ao seu estilo e, como já me referi antes, o som deixou a desejar comprometendo seu trabalho.

O modo de apresentação do filme, uma temática filosófica, religiosa e espírita, eivada de citações e discursos, dependia fundamentalmente do som. E ficamos privados de receber inúmeros ensinamentos, quem não conhece a doutrina espírita, e reforçá-la quem conhece.

Figurino e guarda roupa perfeitos assim como a atmosfera á luz de velas das salas de estudo e leitura no casarão onde Bezerra morava, revela o intenso trabalho de pesquisa correta da equipe de montagem e criação do filme, algo que só presenciamos em grandiosas películas.

Contudo, muito mais poderia ter sido mostrado da vida daquele que considera-se no espiritismo nacional como " o Kardec brasileiro", considerando que o tempo de duração foi pequeno: pouco menos de uma hora e trinta.

Já era hora de surgir no cenário cinematográfico brasileiro um filme sem os conhecidos clichês nacionais- mulheres nuas, sexo á vontade, corrupção, violência, culto aos bandidos, crimes, enfim, a negação á vida decente, ou melhor, simplesmente á vida. Um belo filme para os adeptos de Allan Kardec e para aqueles que ainda acreditam que existe luz no fim do túnel para um Brasil melhor- o Brasil coração do mundo, a Pátria do Evangelho.