Wall Street – Poder e Cobiça

O excelente filme de Oliver Stone, lançado em dezembro de 1987, coincidiu com o colapso da bolsa de valores norte-americana em novembro daquele mesmo ano, após um período de expressiva alta das ações em 1985, que levou todos os investidores a vender suas ações quase que ao mesmo tempo, culminando, dois anos depois, na inevitável falência do sistema.

É claro que o filme – que levou um ano para ser produzido – não poderia prever aquele colapso (que acabou coincidindo com seu lançamento), mas foi rodado numa época em que as especulações na bolsa, com o concurso de jovens e ambiciosos investidores, encabeçavam as manchetes de primeira página dos jornais de economia mais lidos mundo afora. Escândalos fundados em manobras oportunistas de manipulação do mercado financeiro vieram a reboque da “febre das ações” então vivenciada.

O mérito do filme está em ter conseguido expor, com competência, as entranhas mais sórdidas dessa poderosa engrenagem do mundo econômico contemporâneo, para muitos uma autêntica caixa preta, blindada à percepção dos meros “mortais”, leigos no assunto.

Soberbas, as atuações dos atores protagonistas da película, Charlie Sheen, no papel do corretor novato e ambicioso Buddy Fox, e Michael Douglas, na pele de Gordon Gekko, o experiente corporate raider em cujo dicionário inexiste a palavra “escrúpulo”, quando se trata de alcançar seus objetivos e se dar bem naquele meio. Por sua atuação nesse filme, Michael Douglas arrebatou, merecidamente, o Oscar de melhor ator naquela temporada.

O personagem Gekko foi um marco, então, cuspindo da telona frases de efeito tão ao gosto do mundo particular dos investidores profissionais do mercado de ações, a exemplo de: “a ganância é boa”; “a ganância é certa, dá certo”; “a ganância de todas as formas: pela vida, pelo dinheiro, pelo amor, pelo saber”; “eu não sou um devastador de empresas; sou um libertador”. Frases feitas para encobrir a verdadeira personalidade e os reais propósitos de Gekko, na verdade um manipulador inescrupuloso, de ambições desmedidas. Mais afeitas ao modus operandi de Gekko seriam as frases também ditas por ele: “o dinheiro nunca dorme” e “ou você faz um bom trabalho ou é eliminado” – estas, sim, dão uma medida mais precisa de seu caráter, que vai se revelando ao expectador já no primeiro quarto da narrativa.

Wall Street – Poder e Cobiça mostra ao público alguns dos artifícios e manobras que poderosos investidores utilizam para manipular o mercado de ações, criando falsos cenários, ora levando investidores a comprar ações de forma impensada, ora levando-os a vendê-las freneticamente, guiados que são pelas ondas criadas, verdadeiros tsunamis que chegam varrendo tudo, antes que os desavisados investidores “acordem”. Assim, os que estão “no controle” tiram a máxima vantagem dos movimentos ilusórios por eles criados. Atitudes verdadeiramente criminosas, que expõem algumas das fragilidades do sistema econômico moderno globalizado, representadas pelas falhas de mercado que estão aí para nos provar que aquele sistema econômico idealizado pelos economistas clássicos de outrora, alheio a qualquer tipo de influência externa ou “externalidade”, não passa de uma utopia. A realidade é bem diferente, como se observa nessa “aula prática” ministrada por Oliver Stone em seu filme.

Logo de início, Gekko ensina a Fox, seu pupilo, que a informação é o segredo daquele “negócio”. Estar um passo à frente, obter antes de qualquer um a informação “certa” é a chave para o sucesso de uma boa manobra. Isso fica evidente para Fox quando ele consegue obter, a mando de Gekko, a informação de que um poderoso empresário e investidor pretendia adquirir determinada empresa. Gekko então se antecipa e se põe a comprar todas as ações daquela empresa, a preços módicos, posto que no mercado não se tratava de uma empresa “expoente”, de patrimônio valorizado, por assim dizer. Em paralelo, ele cria uma onda no mercado, de procura pelas ações dessa empresa, levando sua cotação a subir mais e mais, em pouco tempo. Resultado: como, por razões pessoais, era irresistível o interesse do tal empresário e investidor por aquela empresa, ele, vítima da manipulação de Gekko, acaba comprando deste as ações pretendidas por um preço muito mais alto que seu real valor de mercado. A informação de que alguém “com poder de fogo” desejava adquirir determinada empresa foi o ponto de partida para o bem sucedido golpe; nela, o segredo do êxito da manobra. E assim caminha a humanidade, no caso, pelos corredores obscuros e sinistros do mercado de ações, labirinto inacessível para a grande maioria dos mortais investidores, mortais no sentido mais amplo da palavra.

Na lição inicial de Gekko a seu jovem “aprendiz de trapaceiro”, a evidência de uma das falhas de mercado presentes na economia: a falha de transparência, aqui representada pelo acesso privilegiado a uma informação valiosa, a partir da qual um investidor oportunista e mau caráter criou o falso cenário que lhe possibilitou um ganho excessivamente irreal, enquanto que outros perderam, para que se mantivesse em equilíbrio o fiel da balança financeira. Pode-se perceber também nessa manobra, ainda que mais sutilmente, certa falta de mobilidade, outra das falhas do mercado econômico, pois até que os ludibriados investidores percebessem ter sido vítimas de uma manipulação engendrada por alguém, o estrago já estava feito. Também a estrutura do mercado de ações mostra certa fragilidade, transparecendo que nesse particular há uma falha, ao possibilitar que espertalhões criem falsos cenários em proveito próprio.

Uma aula de economia, enfim, esse filme de Oliver Stone, já que expõe, de forma inequívoca, algumas das fragilidades do sistema econômico contemporâneo, dito moderno, falhas às quais estamos todos expostos, uns mais outros menos, a depender do tamanho e extensão do rombo gerado pelas manobras ilícitas de uns poucos mas poderosos investidores inescrupulosos.

O final feliz é que no filme, como raramente se vê na vida real, o golpe é descoberto e o bandido acaba atrás das grades. Mas a vida não termina aí, ela continua, ao sabor de novas e incertas ondas, que os mocinhos têm de surfar como puderem, para não irem dar com a cara no fundo desse mar, desse mar de ilusão...