Qual Pílula?

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O processo de realização desse trabalho começa com a busca de uma obra cinematográfica que fosse capaz de sensibilizar meu íntimo, como obra artística e instigante, e ao mesmo tempo cobrir as necessidades das discussões desenvolvidas no curso sobre mitologia, dessa busca tenho como resultado uma análise do filme Matrix.

Antes de entrar na discussão que aqui tenho como objetivo desenvolver, acredito ser necessário explorar as especificidades que permeavam a criação do filme Matrix. A obra realizada no ano 1991 e dirigida pelas irmãs Wachowski é um resquício de um subgênero de ficção-cientifica chamado cyberpunk, este subgênero tem um enfoque em distopias onde a tecnologia se encontra extremamente avançada e a humanidade totalmente rebaixada. Encontramos como referência de obras influenciadas por esse subgênero o livro Neuromancer (1984), de William Gibson e a obras cinematográficas como Akira (1988), dirigido por Katsuhiro Ôtomo e até mesmo Blade Runner: O Caçador de Androides (1988), dirigido por Ridley Scott.

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QUAL PÍLULA?

Logo nos primeiros minutos de Matrix nos deparamos com a decisão que Neo, o protagonista, deve tomar e que desenvolvera a futura trama do filme a partir dela. Morpheus, personagem que guia Neo em sua jornada pela realidade e pelo virtual, coloca Neo diante de duas opções, tomar a pílula azul que

Temos as duas pílulas, a azul que irá oferecer a Neo a chance de continuar vivendo as ficções e ilusões que a Matrix simula o tempo todo e como contraponto temos a pílula vermelha, sendo essa a pílula a possibilidade de Neo ver a "realidade" que o mundo da Matrix mascara o tempo todo com suas ilusões.

A narrativa do filme pode até determinar a escolha de Neo, mas nós podemos e devemos questionar, qual pílula nos levará ao real? O real está separado da Matrix? A Matrix é uma farsa? E por fim, o que é o real?

Mas o que é o real? Neo deveria ter perguntado isso a Morpheus antes de aceitar a pílula, e em seguida perguntar, o real existe sem as ilusões? Como essa pergunta não foi respondido e muito menos formulado, cabe a nós oferecermos a reflexão tanto para Neo quanto para Morpheus.

Para respondermos essas questões devemos ficar atento a uma coisa, não há nada de espontâneo ou de natural no ser humano e, portanto, nos seus desejos, como resultados de um processo intensamente violento gradual em constante daqueles que já viviam nesse mundo, portanto é necessário que a todo momento nos ensinem a ser humanos e nos ensinem a desejar como humanos, portanto não nascemos e logo somos humanos, nós artificializamos em seres humanos. Assim vemos que as ficções e as ilusões que "criamos" assim como a Matrix cria a todo tempo faz parte da estrutura da nossa realidade. Para que possam entender melhor a Matrix e a realidade que vive junto as ilusões, usemos o exemplo da imagem virtual que criamos de nossos membros da sociedade. Quando estabelecemos uma conversa cotidiana com alguém que pertence a nossa sociedade, não enxergamos o ser que ali está, não vemos que ela está suando, que ela defeca, que ela está naquele momento realizando um processo digestivo, que ali existe uma constante produção da mau odores ou até mesmo que em sua mente provavelmente coexistem os mais depravados e violentos desejos, nós enxergamos uma imagem artificial e virtual que "criamos" para que nossos "costumes" possam assim continuar a existir. A questão aqui é que mesmo não se relacionando com a pessoa "real" e sim com a pessoa virtual essa relação é a realidade no sentindo de que, essa imagem virtual dita a maneira como as pessoas interagem entre si.

Então será que a própria Matrix não se encaixa como a realidade em si? Existe um momento no filme onde Morpheus mostra a Neo o mundo real, e Morpheus o apresenta como o "deserto do real", na cena vemos apenas um desfiladeiro com uma cidade destruída ao fundo iluminada por um céu negro, o nome usado para descrever a imagem não poderia ser melhor, quero aqui levantar a noção de que sem as ficções, as mitologias da sociedade, sem as ilusões ideológicas que permeia o real artificial que vivemos, sem essas virtualidades a própria realidade se transforma em um "deserto" sem proposito ou sentido.

Portanto, acredito que é preciso enxergar a Matrix com uma nova perspectiva, como vemos no filme ela é uma máquina que transforma a vitalidade dos seres humanos em energia para seu próprio funcionamento, mas para isso ela constrói uma realidade onde os seres humanos estão conectados e acreditam viver uma vida e assim continuamente no mundo real produzem energia para as maquinas, porém, encontramos dentro da Matrix a vida artificial que simula o real, portanto se torna mais real do que o real.

Aqui é essencial perceber que o que torna a Matrix real não é a própria realidade oferecida pela Matrix, mas sim a virtualidade simbólica que aquela realidade artificial que é sustentada pelos indivíduos que nela vivem, não importa se o Neo acredita ou não nas mitologias que a Matrix oferece a ele, o que realmente importa é o quanto os outros que estão conectados a Matrix acreditem que outros que ali estão também acreditem, a realidade é sustentada apenas pela "crença" da "crença".

Voltemos para Neo e sua grande questão, qual pílula tomar? A vermelha ou a azul? Caso Neo decida tomar a vermelha, a realidade como um todo se deformará ao ponto de cairmos em um "deserto do real" onde a realidade em si mesma se despedaçará. Sendo a escolha de Neo a pílula azul voltamos a enxergar a artificialidade apenas pela artificialidade. A partir da discussão realizada, acredito que devemos não cegar nossos olhos para nossa realidade artificial em busca da realidade crua, mas sim buscar a realidade dentro da artificialidade, a realidade que já é parte intrínseca da mitologia, tanto Neo como nós deveríamos dar foco em como a mitologia é criada e além disso o como e porque essa mitologia molda a nossa realidade.

Alvaro Queiroz
Enviado por Alvaro Queiroz em 22/10/2018
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